Título: Livres para gastar
Autor: Vasconcellos, Fábio; Lima, Ludmilla de
Fonte: O Globo, 22/02/2010, Rio, p. 8

Projeto que cria novo tribunal desobriga prefeitos e vereadores de prestarem contas de salários

Fábio Vasconcellos, Ludmilla de Lima e Natanael Damasceno

Pronta para ser votada já na primeira quinzena de março, a proposta de emenda constitucional (PEC 60) da Assembleia Legislativa afrouxa a fiscalização sobre as contas de 91 prefeituras.

A medida, que cria o Tribunal Estadual de Contas dos Municípios, extingue a obrigação de prefeitos e vereadores informarem os seus subsídios a esse novo órgão. Com isso, não será possível saber se as prefeituras cumprem o teto de vencimentos estipulado para o Executivo e o Legislativo. Nos últimos cinco anos, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou a devolução de cerca de R$ 25 milhões recebidos indevidamente por agentes públicos.

Na prática, a PEC 60, que tramita há pouco mais de 20 dias, recria o antigo Conselho de Contas dos Municípios, agora sob nova denominação.

O antigo órgão chegou a existir por oito meses no início dos anos 90, mas foi extinto, e até hoje o estado paga aposentadorias a cinco conselheiros nomeados na época. A proposta da Alerj reduz ainda poderes do atual TCE, que ficará responsável apenas por analisar as contas de órgãos estaduais, como Alerj, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Executivo. O futuro órgão deve acompanhar as contas das prefeituras, a exceção da capital, que tem tribunal para essa atribuição.

A polêmica emenda constitucional nasceu durante os trabalhos de uma CPI da Alerj, criada após uma investigação da Polícia Federal indiciar três conselheiros por corrupção (José Graciosa, José Nader e Jonas Lopes).

Os conselheiros recorreram à Justiça e conseguiram não só barrar os trabalhos da comissão ¿ sob a alegação de que a Alerj não tem poderes constitucionais para investigálos ¿, como também a anulação, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), do indiciamento de José Graciosa e Jonas Lopes. Conselheiros têm foro especial e, portanto, só podem ser processados criminalmente pelo STJ.

Novo tribunal terá sete conselheiros

Pela proposta, o novo Tribunal dos Municípios vai funcionar com metade dos funcionários do TCE, e contará com sete novos conselheiros, com salários de R$ 26 mil. Mas os gastos poderão ser ainda maiores. Caso seja aprovada, a PEC possibilita que seja ampliado de 3% para 3,4% da receita corrente líquida do estado o limite de despesas com pessoal do Poder Legislativo, que inclui Alerj, o atual TCE e o futuro tribunal. Com isso, cerca de R$ 120 milhões que hoje estão à disposição do Executivo serão transferidos para esses órgãos. O aumento dos gastos com pessoal é possível porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) define que, em estados onde há TCE e tribunais municipais, o Executivo deve repassar parte dos seu percentual de despesa com funcionalismo para bancar os outros poderes.

Apesar de ser favorável à emenda, o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) apresentou proposta de mudança à PEC, como a manutenção da obrigação dos prefeitos informarem seus subsídios, e a permanência do limite de 3% dos gastos com pessoal. As alterações no texto ainda dependem de análise dos outros deputados.

Outra mudança prevista na PEC 60 é a que acaba com a necessidade de os conselheiros do atual e do futuro tribunal terem curso superior.

Embora a maioria da bancada tenha apoiado inicialmente a PEC, o PT decidiu na semana passada votar contra a emenda. O projeto de emenda é de autoria dos deputados que integram a CPI do TCE: Cidinha Campos (PDT), Paulo Ramos (PDT), Marcelo Freixo (PSOL), André Correa (PPS) e Gilberto Palmares (PT) ¿ que deverá mudar de posição nos próximos dias ¿, mas conta também com apoio e o entusiasmo do presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB).

Apesar da pressa para aprovar a PEC, a Alerj deverá enfrentar críticas dentro e fora do plenário. Além do fim da exigência de informar os salários de prefeitos e vereadores e do aumento dos gastos com pessoal, deputados contrários à medida e servidores do TCE temem que o futuro órgão passe a abrigar políticos e aliados não eleitos este ano. Eles defendem também que haverá uma despesa inicial de instalação do futuro tribunal de R$ 90 milhões.

O órgão deverá funcionar num dos prédios do TCE em Niterói.

Presidente da Associação de Servidores do TCE, Luiz Marcelo Magalhães aponta outra preocupação. Segundo ele, se for aprovada a proposta, haverá uma paralisação de no mínimo um ano na fiscalização das contas das prefeituras, até que o órgão esteja pronto para funcionar: ¿ Consideramos essa mudança um absurdo. Atualmente, os orçamentos das 91 prefeituras somam cerca de R$ 17 bilhões, que ficarão sem qualquer acompanhamento enquanto o novo tribunal não começar a funcionar.

Em nota, Jorge Picciani rebateu as críticas contra a PEC. Ele afirmou que não haverá aumento de gastos com a criação do órgão, já que o orçamento do atual TCE será dividido para arcar com as despesas do futuro órgão. O presidente da Alerj acrescentou que a proposta tem o objetivo de sanear o TCE e que ela será boa para o estado. Sobre os pontos mais polêmicos, Picciani argumentou que os projetos raramente são aprovados na Alerj sem emendas e sem o estudo prévio das comissões, que aperfeiçoam os textos originais.

O deputado Alessandro Molon (PT), um dos principais críticos da proposta, afirmou que, mesmo com as mudanças no texto original, a PEC 60 não resolve o problema do TCE.

¿ Cheguei a pensar em apresentar emendas, mas desisti para não criar a ilusão de que elas poderiam tornar o texto aceitável. A PEC é inaceitável em si, por uma questão de princípios.

Ela é um retrocesso, pois além de não resolver, duplica o problema. Cria um outro conselho com os mesmos problemas.

Na minha avaliação, o que temos de fazer é estabelecer critérios mais rigorosos na definição dos conselheiros ¿ diz Molon