Título: Vale entra na briga por Belo Monte
Autor: Rosa, Bruno; Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 23/02/2010, Economia, p. 19

Empresa se une a Andrade Gutierrez, Neoenergia e Votorantim na disputa pela megausina Bruno Rosa, Ramona Ordoñez e Gustavo Paul

RIO e BRASÍLIA

O leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, previsto para abril, ganhou ontem mais um concorrente de peso.

A Vale anunciou ter assinado um memorando de entendimentos com a construtora Andrade Gutierrez, a Neoenergia e a Votorantim Energia para disputar a construção da usina.

Com 11.233 megawatts (MW) de capacidade, Belo Monte será a segunda maior hidrelétrica do Brasil, atrás apenas de Itaipu Binacional. Até então, apenas um bloco, formado pelas empreiteiras Camargo Corrêa e Odebrecht, havia anunciado interesse pelo leilão. O governo ainda corre por fora para tentar a criação de um terceiro consórcio e, para isso, poderá acionar o grupo Eletrobrás e o BNDES.

Há a expectativa de que as subsidiárias da Eletrobrás participem de todos os consórcios que vão disputar o leilão, através de Furnas, Eletronorte ou Chesf. Comenta-se ainda que a Alcoa, fabricante de alumínio, poderá fazer parte do bloco liderado pelas construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht.

Segundo fontes, CSN e Gerdau ¿ que, a exemplo de Vale, Votorantim e Alcoa, são grandes consumidores de energia ¿ também estão estudando o investimento. E até a GDF Suez, que já integra o consórcio para a construção da usina do Jirau, em Rondônia, demonstrou interesse por Belo Monte.

Para Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, o leilão será muito competitivo e vai permitir ao consumidor ter acesso a energia mais barata: ¿ Os principais nomes já estão definidos. Será o leilão da terceira maior hidrelétrica do mundo. De um lado, estão as duas maiores construtoras do Brasil, como a Odebrecht e a Camargo Corrêa. Do outro, a Andrade Gutierrez fez um movimento interessante, se juntando com Vale e Votorantim, que precisam de energia para poder produzir seus minerais e reduzir sua dependência do mercado.

Governo tenta criar um 3º concorrente

A entrada da Vale já era esperada pelo mercado. Segundo Daniella Marques, da Oren Investimentos, e Eduardo Roche, da Modal, a mineradora já vem investindo em energia para se tornar autossuficiente. A mineradora tem hoje sete usinas hidrelétricas em operação no Brasil e uma em fase de implantação.

¿ Quando houve o leilão das usinas do Rio Madeira (Jirau e Santo Antônio), as empresas que dependem de energia, como a Vale, ficaram com medo e não entraram no negócio. É um sinal de que elas se arrependeram ¿ diz Castro, da UFRJ.

E o governo federal está trabalhando para que um terceiro bloco participe do leilão. Segundo interlocutores do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, o governo tem cartas na manga para forjar um terceiro competidor. Uma opção é usar os recursos previstos pelo BNDES para financiar o setor. E há a disposição de deixar o grupo Eletrobrás como parceiro preferencial do setor privado.

A estatal, por meio de suas subsidiárias, poderá ter até 49% da usina.

¿ Essas informações deverão animar o mercado e incentivar a entrada de novos grupos no leilão ¿ afirmou um interlocutor de Lobão.

Outra carta na manga do governo são os fundos de pensão de estatais ¿ Previ, do Banco do Brasil, e Funcef, da Caixa Econômica Federal ¿, que já adiantaram a intenção de participar do empreendimento. A Funcef negocia parceria com a Odebrecht e tem uma disponibilidade de R$ 600 milhões.

Sem dar detalhes, o ministro admite que o governo quer o máximo de competição possível. Por isso, ele implodiu a ideia inicial das principais empreiteiras do país de criar apenas um consórcio para Belo Monte. Ter dois competidores é bom sinal, mas Lobão quer mais: ¿ Inicialmente, estavam as três grandes empresas consorciadas, e eu disse a elas que o governo não aceitava essa solução. Assim haverá competição, sem a qual não se regula o preço para baixo ¿ afirmou.

O governo também guarda a sete chaves a fórmula de participação estratégica da Eletrobrás no processo.

O governo joga com a possibilidade de a empresa participar dos consórcios por meio de suas subsidiárias ¿ como ocorreu no leilão da usina de Jirau ¿ ou depois, agregando-a ao grupo vencedor.

Valor da obra será revisto para cima

Lobão admitiu que o governo está revendo parte do cálculo do valor do empreendimento, orçado em R$ 16 bilhões pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Esse valor é considerado inviável pelas empresas, que avaliam que a obra não sairá por menos de R$ 30 bilhões. Em 10 de fevereiro, os empresários se reuniram com Lobão e outras autoridades do setor para pressionar pela alteração do valor teto da tarifa, estabelecida em R$ 68 o megawatt/hora (MW/h).

Para garantir a atratividade do negócio, o ministro determinou um novo cálculo do investimento, que deverá elevar esse valor. Uma das razões são as 40 condicionantes socioambientais impostas pelo Ministério do Meio Ambiente para a concessão da licença prévia e outras obrigatoriedades que não constavam do estudo original, que devem elevar o preço em pelo menos R$ 1,5 bilhão. Essa análise pode ser concluída até o fim da semana.

Segundo Rosângela Ribeiro, analista do setor elétrico da SLW Corretora, dependendo do valor final outras empresas podem entrar na disputa, como o grupo francês GDF Suez: ¿ Mas vai depender do preço.

O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, disse que a definição da data do leilão dependerá da aprovação dos novos custos da usina pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Mas a previsão da EPE é realizar o leilão de Belo Monte no fim de março ou início de abril. Tolmasquim disse estar otimista quanto à disputa pela usina: ¿ Estamos caminhando para ter uma competição no leilão, o que é muito bom.

Procurada, a Associação Brasileira dos Autoprodutores de Energia (Abiape) não quis adiantar as negociações dos seus associados, mas comemorou o anúncio da Vale e da Votorantim: ¿ Isso mostra que a autoprodução voltou a investir em geração de energia, o que não acontecia desde 2002 ¿ disse Cristiano Amaral, vice-presidente da Abiape.

No mercado financeiro, os investidores aproveitaram o anúncio da Vale de que participará do leilão de Belo Monte para embolsar ganhos recentes com as ações da mineradora.

O papel Vale PNA recuou 1,57%, e as ações ON da empresa tiveram queda de 1,92%.