Título: No limite do proibido
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 23/02/2010, O País, p. 3

Cassação de Kassab levanta polêmica sobre doações que são prática de Norte a Sul

BRASÍLIA

As empresas e entidades cujas doações levaram à cassação do mandato do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), são financiadoras tradicionais de campanhas no Brasil. Levantamento parcial mostra que oito delas, somadas, deram pelo menos R$ 29,5 milhões a candidatos de quase todos os partidos, nas eleições de 2006 e 2008. Entre eles, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os governadores Sérgio Cabral (PMDB) e Aécio Neves (PSDB), o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ).

A lei eleitoral proíbe doações de entidades de classe, sindicatos e concessionárias de serviços públicos em qualquer parte do território nacional a candidatos de qualquer ponto do país. Mas dá margem a diferentes interpretações quanto à aplicação da lei. Ao cassar o prefeito Kassab, o juiz da 1° Zona Eleitoral de São Paulo, Aloisio Sérgio Rezende Silveira, entendeu que as restrições valem para empresas com participação acionária em concessionárias. Mais que isso, estabeleceu critério próprio: o de que o montante doado pelas fontes vedadas não pode ultrapassar 20% do total arrecadado pelo candidato.

O juiz diz que a campanha de Kassab, em 2008, arrecadou R$ 29,7 milhões, dos quais R$ 10,09 milhões ¿ 33,87% ¿ vieram de fontes proibidas. É o caso, segundo a sentença, da empresa Serveng Civilisan S.A., que integra o Grupo CCR, detentor de concessões de rodovias em São Paulo.

O argumento do juiz Rezende Silveira é o de que a legislação não proíbe apenas o Grupo CCR de fazer doações, mas também empresas com participação acionária no CCR ¿ beneficiário direto da concessão. Esse entendimento, no entanto, já foi derrotado em julgamentos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), embora tenha sido defendido por alguns ministros da Corte.

O juiz cita como entendimento semelhante ao seu um voto do ministro Cezar Peluso, contrário às contas do comitê financeiro da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006. As contas, ao final, acabaram aprovadas.

Para Peluso, do ponto de vista do financiamento, não há como separar recursos da empresa controladora, que não detém concessão, da empresa concessionária. Na mesma linha, o juiz Rezende Silveira escreveu: ¿O que não é possível é imaginar que o legislador, ao criar fontes vedadas para fins de doação de campanha eleitoral (...), não estivesse também proibindo quem também se vinculasse indiretamente a tais fontes¿.

¿Doador vedado é doador vedado¿

Nas eleições de 2008, a Serveng doou R$ 740 mil, sendo R$ 500 mil ao candidato derrotado a prefeito de Salvador Antonio Imbassahy e R$ 240 mil ao prefeito eleito de São Bernardo do Campo (SP), Luiz Marinho (PT). Em 2006, a campanha de Lula recebeu R$ 1 milhão da empresa Carioca Christiani Nielsen, que doou também R$ 700 mil à candidatura do governador Sérgio Cabral.

Cabral recebeu ainda R$ 800 mil da OAS, enquanto o governador de Minas, Aécio Neves, recebeu R$ 300 mil da Camargo Corrêa. Em 2008, a Carioca Christiani Nielsen repassou R$ 300 mil para a eleição do prefeito Eduardo Paes. Mercadante recebeu R$ 200 mil da Camargo Corrêa em 2006, quando foi candidato a governador. Rodrigo Maia recebeu R$ 50 mil da mesma empresa.

O juiz eleitoral considerou irregular a doação do Banco Itaú para Kassab porque, na época da campanha, segundo ele, o banco tinha um contrato com a prefeitura para administrar parte da folha de pagamento. Diante da polêmica decisão do juiz, mesmo especialistas em legislação eleitoral são cautelosos. O advogado e exministro do TSE Fernando Neves afirma: ¿ É preciso conhecer o caso concreto para avaliar a decisão.

O advogado e ex-ministro do TSE Torquato Jardim disse que, em tese, concorda com o entendimento do juiz de São Paulo em relação às empresas com participação acionária em concessionárias.

Ele ressalvou que é preciso verificar caso a caso para saber até que ponto os grupos acionistas têm controle da concessionária.

Jardim disse, no entanto, que não faz sentido o limite de 20% fixado arbitrariamente pelo juiz para tolerar doações de fontes vedadas.

¿ Doador vedado é doador vedado. Não interessa a quantia nem o percentual ¿ afirmou o ex-ministro do TSE. ¿ Neste caso (do Kassab), não há uma opinião que eu possa dar, sem ver a articulação que o juiz fez. É muito complicado, é caso a caso, não tem jurisprudência. É preciso estudar a estrutura acionária do grupo.

Além de fazer doações, as empresas citadas na sentença contra Kassab repassaram recursos a partidos políticos em 2008, no mecanismo das chamadas doações ocultas, em que a Justiça Eleitoral não consegue identificar que empresa doou dinheiro a qual candidato. Empresas como Camargo Corrêa, OAS e Carioca deram mais de R$ 4 milhões ao PT em 2008.