Título: Mercosul entre Lula e Chávez
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 26/05/2009, Mundo, p. 23

Presidente venezuelano vai a Salvador discutir integração regional, mas deve cobrar uma decisão do Senado sobre ingresso do país no bloco regional. Refinaria em Pernambuco também continua parada

Queixas de Hugo Chávez contra o Senado brasileiro, que continua segurando a aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul, podem tornar-se um dos focos de dificuldades no encontro de hoje do presidente venezuelano com o colega Luiz Inácio Lula da Silva, em Salvador. Os dois governantes têm ainda a missão de encontrar uma saída para o impasse em torno da refinaria Abreu e Lima, joint venture entre a Petrobras e a estatal venezuelana PDVSA ¿ projeto que começou a ser negociado em 2005 e tem de decolar nesta semana, quando vence o contrato firmado um ano atrás. A agenda da reunião, a sexta desde que os dois países estabeleceram a prática de realizá-las a cada três meses, inclui ainda a ideia, discutida em Caracas na semana passada, de criar um fundo comum para investimentos na América do Sul, com dotação inicial de ¿bilhões de dólares¿, segundo anunciou Chávez no domingo, no Equador, onde se reuniu com os colegas Rafael Correa e Evo Morales.

Lula e Chávez examinarão ¿as perspectivas do processo de adesão da Venezuela ao Mercosul, em particular o andamento das conversações sobre o programa de liberalização comercial¿, disse à imprensa o porta-voz do Planalto, Marcelo Baumbach. Os legislativos do Brasil e Paraguai são os últimos obstáculos para a ratificação do acordo, e em ambos a pretensão venezuelana enfrenta resistências. No caso brasileiro, o acordo já foi aprovado pela Câmara, mas no Senado a oposição conseguiu até aqui retardar a tramitação na Comissão de Relações Exteriores. A expectativa é de que a matéria seja finalmente votada pela comissão em junho, e o governo se mobiliza para evitar uma surpresa constrangedora.

O Correio apurou que a tendência dos senadores que integram o grupo temático é adotar uma ¿decisão técnica¿, o que favoreceria a aprovação. Semanas atrás, em audiência pública com os parlamentares, o ministro Celso Amorim relatou sobre os avanços obtidos em reunião que manteve com o próprio presidente Chávez ¿ ele teria assumido o compromisso de detalhar um cronograma para compatibilizar tarifas aduaneiras com as do bloco. Ao contrário do que ocorreu na Câmara, porém, o presidente venezuelano criou dificuldades extras para os governistas do Senado quando, exasperado pela demora na tramitação, chamou os opositores da adesão de ¿papagaios do imperialismo (norte-americano). No plano estritamente político, a rejeição mais forte à adesão venezuelana parte do senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), que contesta as ¿credenciais democráticas¿ de Chávez.

Refinaria Mais urgente, embora mais fácil de contornar provisoriamente, é o impasse em torno da refinaria Abreu e Lima, cujas obras de fundação já foram iniciadas pela Petrobras, em Pernambuco. O contrato assinado há um ano prevê que a estatal brasileira tenha 60% das ações (e participe com parcela equivalente dos custos), e a PDVSA, 40%. Uma das pendências diz respeito à pretensão da empresa venezuelana de poder comercializar no Brasil parte de sua cota nos combustíveis produzidos. Reservadamente, porém, circulam queixas do lado brasileiro pela ausência de qualquer participação venezuelana nos gastos já feitos com os estudos e obras preliminares.

A ideia de Chávez de criar o fundo comum de investimentos foi debatida na semana passada com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, que esteve em Caracas. A proposta vai ao encontro de um dos argumentos do Itamaraty para defender o ingresso da Venezuela no Mercosul: o país poderia reforçar o caixa de mecanismos como o Fundo de Convergência Estrutural (Focem), estabelecido para compensar as assimetrias entre os sócios mais ricos (Brasil e Argentina) e os mais pobres (Uruguai e Paraguai). No plano bilateral, o BNDES estuda um pacote da ordem de US$ 4 bilhões para obras de infraestrutura na Venezuela, com participação de empresas brasileiras.