Título: É preciso mudar
Autor: Vianna, Guaraci de Campos
Fonte: O Globo, 26/02/2010, Opinião, p. 7
A questão polêmica do desfecho, acreditamos provisório, do moroso caso da morte da criança João Hélio, no aspecto pertinente ao jovem que foi julgado pela Vara da Infância e Juventude, trouxe à baila algumas reflexões e discussões na sociedade em geral.
Sem querer entrar no mérito das discussões a respeito de o jovem ter ou não sido colocado em liberdade ¿ ou, ao ser inserido no regime de semiliberdade (que equivale ao regime de cumprimento de pena semiaberto dos adultos) e depois engajado numa medida de caráter protetivo ¿, pretendemos aqui colocar a necessidade de se alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente na parte que trata das medidas socioeduativas.
Há, pelo que parece, um consenso: todos concordam, por um caminho ou outro, que o adolescente ou melhor, o jovem adulto julgado pela Justiça necessita continuar cumprindo uma medida (quer ela seja socioeducativa, quer ela seja preventiva).
Ocorre que a Lei 8.069/90, na sua redação atual, prevê certos limites: três anos de internação (após o que o jovem pode ser inserido no regime de semiliberdade ou liberdade assistida ou, ainda, ser liberado) e 21 anos de idade (quando ocorrerá a liberação compulsória do sistema).
Entendemos e já apresentamos um projeto no Congresso Nacional, nesse sentido. Os limites precisam ser ampliados: a liberação compulsória deve se dar aos 24 anos de idade e o prazo máximo de internação deve ser de cinco anos.
Como este rapaz, que foi agora colocado no regime de proteção, existem muitos outros jovens que precisam continuar sob a proteção do Estado ou cumprindo medida socioeducativa, pois ou ainda não estão integralmente aptos para o retorno à vida social ou dão sinais evidentes de que vão voltar a delinquir (doravante serão ¿clientes¿ do sistema penal adulto) ou, ainda, realmente, necessitam de uma medida protetiva e os juízes da Infância e o Judiciário em geral ficam manietados pelos limites acima referidos, que, como a prática e os exemplos recentes têm demonstrado, são insuficientes para que as medidas aplicadas cumpram minimamente a sua finalidade. Não se pode lavar as mãos na ¿bacia de Pilatos¿.
Obviamente será preciso que o Estado Administrador aparelhe as unidades socioeducativas, não apenas no regime fechado (internação), mas principalmente nos regimes semiaberto (semiliberdade) e aberto (liberdade assistida), dotando-os da infraestrutura necessária. É preciso agir com responsabilidade para se ter resultados efetivos.
Concretamente, em 2007 apresentamos, juntamente com o advogado criminalista Ary Bergher, uma proposta de alteração legislativa, entregue diretamente ao então presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (Fonte Agência Câmara ¿ DF em 15/02/07. site: www.Achanoticias.com.br/noticia.Kmf?noticia=5806616), contudo, ao que tudo indica, o projeto de lei não foi adiante, pois foi aglutinado em outro que foi arquivado (PL 2.847/2000).
Acreditamos que o grande propósito desta discussão seja um resultado que possa aprimorar o sistema e trazer benefícios para a coletividade.
A proposta que apresentamos pode não ser consensual, mas por certo, contribuirá para uma mudança benéfica, menos radical do que a redução da imputabilidade penal, que, ao contrário do que muitos pensam, não trará solução para problema algum da sociedade e, por certo, criará muitos outros de solução mais difícil que os atuais.
Os adolescentes em conflito com a lei não podem ser vitimas do paternalismo ingênuo (que os coloca como vitimas), nem tampouco de um retributivismo selvagem (que parte do principio de que se trata de criminosos irrecuperáveis). É preciso buscar o equilíbrio entre todos os interesses em jogo e é isso que acreditamos ser possível com a nossa proposta.
GUARACI DE CAMPOS VIANNA é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeio e foi presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e Juventude.