Título: Duas opções
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Fonte: O Globo, 01/03/2010, Opinião, p. 6

Reforma agrária é tema cativo de todos os governos, pelo menos de 1930 até hoje. Dividir de forma mais equânime a terra, torná-la produtiva, fonte de renda e emprego são propostas recorrentes de governos de direita ou mais à esquerda, sem exceção.

Herança do período colonial, das doações generosas de amplas faixas de terra a amigos do rei - literalmente -, a perversa estrutura fundiária brasileira acompanhou boa parte da história moderna do país.

E em torno dela quase sempre houve grande mobilização política, conflitos, violência. O MST, herdeiro das Ligas Camponesas da década de 60, é apenas um dos desdobramentos neste cenário.

Uma característica do atual ciclo de luta pela distribuição de terras é que, ao contrário dos anteriores, a própria dinâmica de modernização do país, e da agricultura em particular, solucionou, pela via do mercado, o problema do latifúndio improdutivo.

A abertura do Brasil ao exterior e a modernização do setor agrícola, responsável por converter o país em um dos maiores fornecedores de alimentos do planeta - a imagem do "celeiro do mundo" se concretizou -, ocuparam terras ociosas e fizeram a fronteira agrícola avançar em direção ao Centro-Oeste. A ponto de colocar a Amazônia em risco.

Com o processo de industrialização acelerada a partir de JK, o campo também foi esvaziado de população. Boa parte daqueles que clamavam por terras - ou eram usados para tal - foi parar nas cidades. Prova dessas mudanças estruturais é o MST ter de recrutar gente na área urbana.

Resulta de tudo isso que o MST perdeu a bandeira da reforma agrária e tende cada vez mais a atuar como uma organização política de tinturas revolucionárias, mantidas suas atuais lideranças.

O movimento tem diante de si duas opções: assumir-se como partido político, aceitar o estado de direito democrático, e, então, trabalhar para convencer o eleitorado de suas teses e pedir votos; ou manter-se na linha atual de semiclandestinidade.

Neste caso, estará criminalizando a sua luta política - ao contrário do que diz - e se isolando cada vez mais num país em que a classe média está em expansão. Em toda sociedade em que a classe média cresce, o sistema político se estabiliza. Ela não embarca em aventuras, como a do MST atual.