Título: Justiça derruba plano de Uribe de 3o- mandato
Autor: Valle, Sabrina
Fonte: O Globo, 27/02/2010, O Mundo, p. 30

Por sete votos a dois, magistrados freiam projeto de poder do presidente, dando largada à campanha eleitoral

Num dia de forte expectativa e decisivo para o futuro político da Colômbia, a Corte Constitucional do país enterrou ontem a possibilidade de o presidente Álvaro Uribe se candidatar a um terceiro mandato consecutivo. Por 7 votos a 2, os nove juízes do órgão máximo do país para questões constitucionais votaram contra a lei que previa a convocação de um referendo a fim de consultar a população sobre uma segunda reeleição presidencial.

¿ A Corte resolveu declarar inexequível, por sua inconstitucionalidade, em sua totalidade a Lei 1.354 de 2009, por meio da qual se convoca o povo colombiano a um referendo constitucional ¿ anunciou Mauricio González, presidente da Corte Constitucional.

Após o resultado, que já era esperado por analistas políticos, Uribe afirmou que acataria a decisão da Corte de não permitir a consulta à população.

¿ É preciso respeitar a participação do cidadão, mas também é preciso respeitar a norma legal ¿ resignouse.

Com isso, pela primeira vez na História recente da América Latina, uma instituição de governo põe um freio de forma democrática aos anseios de um mandatário de se manter no poder por três mandatos seguidos.

Em 2005, a mesma corte deu luz verde a uma reforma constitucional que instituiu a reeleição para um mandato consecutivo de quatro anos, iniciado por Uribe em 2006.

¿ O resultado é um bom sinalizador de mudanças para a América Latina. Mostra que em países com pleno funcionamento das instituições democráticas ficará mais difícil aflorarem movimentos de manutenção de poder ¿ avalia Marcelo Coutinho, professor de Relações Internacionais da UFRJ. ¿ A década de 90 abriu o movimento de reeleição, os anos 2000 ampliaram este movimento, e na próxima década podemos esperar mais estabilidade constitucional e um estacionamento dessas tendências continuístas.

"Não perdi a vontade de poder trabalhar pela Colômbia" De tarde, antes da decisão, Uribe dissera que, independentemente do resultado, continuaria trabalhando pelo país mesmo fora da Presidência. As eleições presidenciais estão marcadas para 30 de maio.

¿ Em qualquer caso (contra ou a favor do referendo), eu não perdi a vontade de poder trabalhar pela Colômbia, de qualquer posição, qualquer circunstância até o último dia de vida ¿ afirmou ele, antes de os juízes afundarem seu projeto de continuar no poder.

¿ Quis trazer prudência para que as instituições democráticas, neste caso a Corte Constitucional, possam discorrer tranquilamente. Por isso, digo aos colombianos de coração: não abandonemos o rumo do caminho da segurança democrática.

A decisão dá finalmente largada para valer à campanha eleitoral no país, até agora engessada à espera da Corte. Com o presidente detendo mais de 60% de aprovação ¿ respaldada por sua estratégia de combate às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) ¿ sua vitória era dada como certa caso a Justiça tivesse ontem lhe permitido a candidatura.

Sem ele, o cenário muda completamente, e não há um favorito claro para o pleito, que, segundo analistas, deve ser decidido em segundo turno.

Transferência de votos para ex-ministro da Defesa Uma pesquisa do Centro Nacional de Consultoria divulgada na semana passada pela rede CM& mostrou que, sem Uribe, o candidato mais forte seria seu ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, com 18% das intenções de voto.

Santos está fortemente associado à política de Uribe para reduzir a violência no país, o que é visto como o maior feito do presidente, e tende a herdar parte dos eleitores do presidente.

Seu principal opositor , por enquanto, é o ex-prefeito de Medellín Sérgio Fajardo, c andidato independente, que aparece na enquete com 12% das intenções. Logo atrás dele viria a conservadora Noemí Sanín (11%), que já disputou a Presidência em 1998 e em 2002. Mas todos os números podem mudar depois da decisão de ontem.

Para Marco Romero, professor de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Colômbia, a saída de Uribe do cenário político trará de volta a discussão de uma série de áreas em crise no país.

¿ Descontada a área de segurança, o governo de Uribe foi desastroso. Está muito associado ao escândalo da chamada parapolítica, com até o primo do presidente ligado a paramilitares. A saúde está em crise, o desemprego, em 14,5%. Com a saída de Uribe, esses outros aspectos voltam ao debate político ¿ afirmou ao GLOBO por telefone. ¿ O grande desafio da esquerda será agora conseguir chegar ao segundo turno