Título: Medo da democracia
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Fonte: O Globo, 27/02/2010, Opinião, p. 7

A partir da Constituição de 1988 o Ministério Público passou a ser identificado como ¿advogado da sociedade¿, dada a amplitude do texto constitucional que o identifica como instituição permanente, essencial à atividade estatal, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Entre seus princípios mais importantes encontra-se a independência funcional, que garante autonomia de ação a cada um dos procuradores, no regular exercício de suas funções.

Pois bem. Recentemente a AdvocaciaGeral da União mencionou que processará os membros do Ministério Público que entrarem com ações supostamente infundadas para tentar barrar as licenças ambientais de hidrelétricas previstas no Programa de Aceleração do Crescimento. O tom feroz utilizado pela Advocacia-Geral da União foi elogiado pelo presidente da República, e um de seus auxiliares diretos declarou que a estratégia contra os procuradores valerá para qualquer tentativa de embargar políticas e obras públicas.

Sem entrar no mérito da atuação do Ministério Público no caso das hidrelétricas, é impossível deixar de traçar um paralelo com as iniciativas de membros da mesma instituição na época das privatizações, algumas com fruto em entendimento puramente ideológico. Na época, o governo reagiu dentro das regras A discussão foi travada na arena adequada, perante o Poder Judiciário.

O governo Lula, por seu turno, ao primeiro sinal de embate, preferiu o inédito e tortuoso caminho da prévia e imediata intimidação pública contra os procuradores. Esse mesmo governo já se manifestou também contra qualquer tipo de fiscalização mais rígida dos Tribunais de Contas sobre obras do PAC, Copa do Mundo e Olimpíadas, sob o pífio argumento de que não se pode ¿atrasar o cronograma¿, deixando claro que o que menos importa é a moralidade pública e o controle de gastos do dinheiro do contribuinte.

Chama a atenção também o manifesto do Partido dos Trabalhadores no lançamento da candidatura de Dilma Rousseff, ressuscitando a ideia de controle da imprensa, apresentado na presença de representantes de Venezuela, Coreia do Norte, China e outros países onde liberdade é conceito meramente acadêmico, pois o que se exercita a todo tempo é a opressão.

Ameaças, violações de direitos fundamentais e opressão política não constam das regras da democracia e são incompatíveis com o estado de direito.

Governos democráticos respeitam as instituições, não as fragilizam

DOUGLAS FALCÃO e RENATO PACCA são advogados.