Título: Inflação acima do alvo e PIB insustentável
Autor:
Fonte: O Globo, 28/02/2010, Economia, p. 28
Apesar de otimista, Paulo Leme, do Goldman Sachs, prevê IPCA de 5,4% e diz que país não pode crescer 6,4%
Depois de aumentar a projeção do PIB de 5,8% para 6,4% este ano, o diretor de Pesquisa para Mercados Emergentes do Goldman Sachs, Paulo Leme, refez as contas e concluiu que a inflação não será comportada este ano. Os primeiros sinais de pressão inflacionária já foram captados e o mais provável é estourar a meta. Leme, que completa 17 anos à frente do banco em setembro, está prevendo uma inflação de 5,4% e diz que um crescimento de 6,4% "não é sustentável".
Depois de três décadas nos Estados Unidos, Leme trocou o estresse de Wall Street, em Nova York, por Miami, onde passa o dia esquadrinhando os números dos países emergentes. Leme está convencido de que nem a inflação vai ofuscar o brilho do país aos olhos dos investidores estrangeiros.
Liana Melo
O Goldman Sachs revisou a projeção do PIB para 2010. Por que?
PAULO LEME: Iniciamos o ano prevendo crescimento de 5,8%, mas agora estamos trabalhando com uma projeção de 6,4%. Vamos continuar monitorando, inclusive levando em consideração o cenário externo.
Esta expansão prevista é sustentável?
LEME: Em condições normais, o crescimento sustentável da economia gira entre 4,5% e 5%. Depois de uma contração em 2009 de 0,5%, como estamos projetando, é normal que se gere certa ociosidade. Com uma base deprimida, dá para crescer mais rápido do que é sustentável. Tivemos um programa de expansão da demanda agregada, que gerou um crescimento, que era visto como seguro, dada as incertezas daquele momento, em que não se sabia o quanto poderia piorar o quadro externo. Depois de conhecidos os fatos, talvez tenha havido uma certa sobredosagem de estímulos. Passado este período, voltamos à restrição de crescimento acima de 5%, que só é possível com investimento e reformas estruturais.
O que é necessário para crescer de forma sustentável?
LEME: Estimular a poupança doméstica e a do governo, o que significa aumentar o superávit fiscal primário. Em segundo lugar, reduzir as despesas do governo, para que os gastos sejam de capital e não correntes. É melhor gastar com infraestrutura do que inchar o funcionalismo público. Por último, estimular a poupança do setor privado. O ideal é que os investimentos domésticos variem de 21% a 24% do PIB, por cinco a sete anos.
Além do PIB, que outros indicadores foram revisados?
LEME: O aumento da pressão inflacionária nos levou a elevar a taxa para 5,4%, ou seja, acima da meta de inflação, que é de 4,5%. Na projeção anterior do PIB de 5,8%, estávamos apostando numa inflação de 4,6%. Com a deterioração do déficit em transações correntes, dobramos nossas projeções de US$24,3 bilhões, em 2009, para US$58 bilhões, este ano. Ou seja, o déficit deve dobrar em relação a percentagem do PIB, de 1,5% para 3%.
Sua projeção é de que a inflação vai romper a meta. Isso é um sinal de preocupação?
LEME: Não, porque a previsão é de que, na medida em que a inflação acelere, o governo adote medidas restritivas. Em 2008, o Banco Central reduziu os depósitos compulsórios. A medida foi acertada. Dado que os bancos públicos agora estão gerando um fluxo de crédito anual perto de 4,6% do PIB e os bancos privados estão com muita liquidez, o correto seria eliminar as medidas extraordinárias adotadas na crise. Antes de usar o freio, é sempre uma boa medida tirar o pé do acelerador. (na quarta-feira, dia 24, à noite, o BC decidia enxugar R$71 bilhões em compulsórios).
O senhor considera que estas medidas são suficientes?
LEME: O BC ainda precisa mexer na Selic. Acredito que os juros básicos comecem a subir antes de abril. Iniciando o ciclo de alta em março, com um aumento de meio ponto percentual, devemos chegar em outubro com uma taxa de 12,50%.
Até que ponto o aumento da inflação influencia negativamente num ano eleitoral?
LEME: O impacto da inflação é muito menor do que suas causas. A inflação está subindo no país porque a economia está crescendo, assim como a massa salarial real e o consumo do setor privado. Estes aspectos positivos da economia estarão mais coincidentes com a data eleitoral do que os malefícios da inflação. O impacto favorável do crescimento é maior do que o custo político da percepção de o BC estar num ciclo de alta dos juros.
O Goldman Sachs já "precificou" o risco da vitória deste ou daquele candidato?
LEME: É prematuro, porque nem todas as candidaturas já foram oficializadas, à exceção da pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff. Em função da informação disponível, a postura sensata é trabalhar com um cenário inercial.
Como o senhor avalia o impacto da crise financeira no país?
LEME: Pequeno, limitado e curto. A recuperação começou já no segundo trimestre de 2009. O país demonstrou uma capacidade de retomada de crescimento muito rápida e vigorosa, além de ter se mantido muito bem posicionado em relação aos Brics.
O senhor acredita que a Grécia pode contaminar outros mercados como ocorreu com o Lehman Brothers?
LEME: São situações muito diferentes. A Grécia representa um risco soberano enquanto o banco representava um risco financeiro. Acredito que existe um interesse, tanto da Grécia quanto da União Europeia, para garantir a sobrevivência da república helênica. Claro que haverá volatilidade, até que se encontre os mecanismos para promover o ajuste. O problema é que a União Europeia não pode mexer no câmbio nem na política monetária.