Título: Meta fiscal, nova menina dos olhos de Mantega
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 28/02/2010, Economia, p. 28

Sentindo-se injustiçado, ministro pretende cumprir superávit, apesar da eleição, e engavetar desoneração da folha

BRASÍLIA. Muito menos popular junto aos economistas do que seus antecessores Pedro Malan e Antonio Palocci, Guido Mantega tem como principal meta de seu último ano à frente do Ministério da Fazenda o cumprimento da meta de superávit fiscal primário - fixada em 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). Ou seja, é o saldo (diferença entre receitas e despesas para pagamento de juros da dívida). Isso significa fazer um esforço adicional para conter os gastos públicos em ano eleitoral, após ter recorrido em 2009 ao mecanismo que permite ao governo abater da meta despesas com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Segundo assessores, o ministro - que se sente um injustiçado pelo mercado - quer não apenas terminar o governo com contas equilibradas, mas também buscar o reconhecimento de que fez uma boa gestão. Para isso, vai sacrificar este ano até mesmo uma proposta que acalentava ser a marca de sua gestão e está pronta em sua gaveta para estimular o setor produtivo, mas que tem um custo fiscal elevado: a desoneração da folha de pagamento das empresas.

- A ordem agora no período pós-crise é elevar o superávit primário e reduzir a trajetória da dívida - diz um assessor de Mantega.

A disposição de cumprir o resultado primário ficou clara no comentário do ministro sobre o desempenho das contas públicas de janeiro. Mês passado, o primário ficou em R$16,185 bilhões (6,07% do PIB) e o resultado nominal (sobra após o pagamento de juros) ficou positivo em R$2,2 bilhões.

- Houve uma melhoria expressiva do primário, o que mostra que as contas públicas vão muito bem. Mostra que nós vamos fazer um primário de 3,3% do PIB em 2010. Já estamos com a arrecadação em forte recuperação. Estamos no caminho certo com a sustentabilidade fiscal que tem sido prometida pelo governo - disse ele, criticando "as más línguas" que não confiam no compromisso fiscal do governo.

Visto como gastador, ministro controlou gastos

Quando assumiu o cargo, em março de 2006, Mantega trazia a fama de heterodoxo e gastador. Foi criticado por analistas e pela oposição que o apontavam como um risco ao equilíbrio fiscal. A postura de Mantega de criticar abertamente a política de juros do Banco Central - cujas cabeças estavam mais alinhadas à ortodoxia econômica - também não ajudou a melhorar sua imagem.

Ao longo de quatro anos, o peso do cargo obrigou o ministro a conter arroubos mais desenvolvimentistas e o levou a trabalhar com o possível e não o desejado. No fim de março, Mantega se tornará um dos ministros mais longevos da pasta no período democrático (perdendo apenas para Pedro Malan e Mailson da Nóbrega) e, segundo seus assessores, cumpriu a missão de manter o equilíbrio fiscal e de promover o crescimento econômico, que deve terminar este ano acima de 5%.

Em entrevista ao GLOBO em dezembro, Mantega disse que 2009 foi um ano difícil por causa da crise mundial, mas que deu ao Brasil a chance de demonstrar sua solidez na economia e a capacidade de superar crises. No discurso, nota-se a intenção clara de marcar a posição de que as ações desenhadas sob seu comando têm boa parte do crédito pelo sucesso.

- Isso é algo inédito, se não é inédito é pelo menos uma novidade em relação às últimas décadas. Vínhamos sendo muito atingidos por crises. Quando vinha uma crise, vinha uma catástrofe. Dessa vez não foi assim. Conseguimos evitar que a crise comprometesse a renda da população. Em 2009, o salário médio cresceu 3,4%, 3,5%, o nível de empregos ficou alto. Geramos novos empregos. Não houve nenhuma grande tragédia - disse ele.

Mesmo assim, no ano passado, a equipe econômica foi obrigada a reduzir o primário de 3,8% para 3,3% e depois para 2,5% do PIB e teve que usar o PAC para fechar suas contas. O superávit acabou terminando o ano em 2,06% do PIB.