Título: Leão sem dó da inflação
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 28/02/2010, Economia, p. 25

ACERTO DE CONTAS

Brasileiro paga até R$5 mil a mais de IR por tabela não corrigir defasagem de 63%

Começa amanhã - e com má notícia - mais um acerto de contas com o Leão. A defasagem na tabela do Imposto de Renda (IR) nos últimos 15 anos fez com que, no ano passado, os contribuintes tenham recolhido à Receita Federal até R$5.061,12 mais do que deveriam. A tunga é provocada pela diferença de 63,62% entre a inflação acumulada de 1995 e 2009, de 195,15%, e as correções promovidas pelo governo nas faixas da tabela, de 80,39%. Todos os brasileiros com carteira assinada que receberam salário mensal superior a R$5.860,88 no ano passado sentiram este peso no bolso. Os cálculos foram feitos pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Sindifisco Nacional) a pedido do GLOBO.

O descompasso provoca ainda outro fenômeno: trabalhadores com salário entre R$1.434,60 e R$2.347,28, que pagaram IR em 2009 a uma alíquota de 7,5% ou 15%, poderiam estar isentos se a correção da tabela tivesse acompanhado a inflação nestes 15 anos. Isso porque a faixa de isenção, de R$1.439,59 em 2009, subiria para R$2.347,28. A pessoa com essa renda paga hoje R$83,25 ao mês (R$999 ao ano).

A distorção atinge em cheio a classe C, que, com renda mensal entre R$1.115 e R$4.807, representa hoje 46% da renda nacional. Da mesma forma, a alíquota máxima de 27,5%, que incide sobre salários a partir de R$3.582, se aplicaria apenas a salários maiores do que R$5.860,87.

O levantamento do Sindifisco mostra que uma pessoa física com renda mensal de R$5.860,88, por exemplo, paga R$948,80 de imposto por mês. Com a correção, esse valor cairia para R$527,04. Ou seja, há uma cobrança adicional de R$421,76 por mês ou R$5.061,12 por ano. As simulações levam em conta a renda bruta, sem considerar descontos com dependentes, educação ou saúde.

Embora tanto o governo Fernando Henrique Cardoso quanto o governo Lula tenham feito correções na tabela da pessoa física, elas não foram suficientes para compensar as perdas que a renda da população sofreu por conta da inflação nos últimos 15 anos. O presidente do Sindifisco, Pedro Delarue, lembra que o governo Lula, por exemplo, vem corrigindo a tabela da pessoa física em 4,5% desde 2007, mas esse valor não compensa as perdas do passado. Entre 1996 e 2001, a tabela do IR ficou congelada.

- Nos últimos anos, a Receita vem tratando de corrigir a tabela e até criou novas faixas de renda. Mas ela herdou uma defasagem muito grande. Jogou-se fora a correção devida do passado - explicou Delarue.

Procurada, a Receita Federal informou apenas que não vai comentar a defasagem na tabela.

Sócios e limite de bens: regra flexível

Apenas com a criação de duas novas alíquotas na tabela (7,5% e 22,5%) no fim de 2008 - que passaram a vigorar no ano seguinte -, o governo teve uma renúncia fiscal de R$5 bilhões. Delarue lembra, no entanto, que o governo poderia dar um alívio maior às pessoas físicas e compensar a perda de receita com o IR sobre as grandes fortunas:

- Mas isso é um assunto polêmico no Brasil. Todos os governos prometem tributar as grandes fortunas e, depois, o assunto acaba sendo deixado de lado.

Este ano, a Receita tornou mais flexíveis as regras para a entrega da Declaração do IR, que vai até 30 de abril, mas o alívio é apenas burocrático. A partir de agora, sócios de empresas e pessoas com patrimônio inferior a R$300 mil não precisam mais prestar contas ao Leão, desde que não se enquadrem em uma lista de condicionalidades imposta pela Receita. Entre elas, ter recebido rendimentos tributáveis acima de R$17.215,08 em 2009.

Anteriormente, apenas o fato de ser sócio de uma empresa deixava o contribuinte obrigado a entregar a declaração. Segundo o supervisor nacional do programa IR, Joaquim Adir, cerca de cinco milhões de pessoas declararam IR em 2009 só por esse motivo.

Outra mudança foi no limite de bens que torna obrigatória a entrega do documento. A partir deste ano, só precisa prestar contas quem tem bens acima de R$300 mil (no ano passado, o valor era de R$80 mil). A ideia é reduzir o número de declarantes. Isso torna mais rápida a análise das declarações e reduz as retenções em malha fina.

Segundo Adir, no ano passado, prestaram contas ao Fisco 25,5 milhões de contribuintes. A Receita estima que esse montante cairá para 24 milhões em 2010. O supervisor explicou que, embora milhões de pessoas físicas estejam deixando de ser obrigadas a entregar a declaração, muitas ainda preferem enviar o documento, pois o utilizam como comprovante de rendimentos.

No ano que vem, o Fisco vai acabar com o formulário de papel. Isso porque apenas 127 mil pessoas físicas ainda optam por esse tipo de entrega da declaração.

- A realidade do país é outra - disse Adir ao justificar a mudança.

O supervisor lembrou ainda que já existem hoje várias restrições à entrega por meio de papel. Devem obrigatoriamente entregar por meio eletrônico pessoas que receberam rendimentos tributáveis acima de R$100 mil, incluíram dependentes na declaração ou tiveram rendimentos de pessoas físicas ou jurídicas no exterior.

Dependente: dedução de apenas R$1.730

A declaração do IR 2010 pode ser entregue pela internet pela página do Fisco (www.receita.fazenda.gov.br), por disquetes entregues nas agências da Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil ou formulários de papel entregues nos Correios, que custam R$5. Quem perder o prazo está sujeito a uma multa mínima de R$165,74 e máxima de 20% do imposto devido.

A Receita Federal lembra que os contribuintes podem optar por dois modelos na entrega do documento: simplificado ou completo. A regra para fazer a declaração simplificada continua a mesma: desconto de 20% na renda tributável. Este desconto substitui todas as deduções legais da declaração completa.

No caso da dedução por dependentes, possível apenas por meio da declaração completa, o valor é de apenas R$1.730,40 para cada um. Nas despesas com educação, o limite individual de dedução é de R$2.708,49 neste ano. Já nas despesas médicas, as deduções continuam sem limite máximo.