Título: Meio bilhão em contas por julgar
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 28/02/2010, O País, p. 3
ELEIÇÕES 2010
Dinheiro público foi repassado a partidos, mas há processos de 2000 ainda no TSE
OPT, partido que mais recebeu recursos do fundo partidário nesta década, não teve nenhuma das últimas oito prestações de contas anuais julgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O PSDB vem logo atrás, com seis processos em aberto, inclusive o mais antigo de todos, de 2000. A demora atinge quase todas as legendas: levantamento do TSE, atualizado a pedido do GLOBO, revela que 90 processos de 26 partidos, do período de 2000 a 2008, não foram a julgamento.
Somadas, essas prestações de contas não julgadas chegam a R$532 milhões repassados pelo fundo partidário, formado por recursos públicos previstos no Orçamento da União. Este ano, o fundo distribuirá mais de R$160,4 milhões.
A contabilidade tucana, assim como a do PMDB, está em aberto desde 2004. A do DEM, desde 2005. Além do PT, outros quatro partidos não tiveram as contas de 2003 julgadas: PR, PCdoB, PPS e PTB. Dos 28 partidos existentes no período de 2000 a 2008, só dois tiveram todas as contas julgadas: PP e PSC, ambos com a contabilidade aprovada.
A lentidão nos julgamentos abre a porta para a impunidade. E, ainda que julgadas e as contas eventualmente rejeitadas, os partidos poderão não ser punidos. A minirreforma eleitoral, aprovada pelo Congresso ano passado, fixou prazo máximo de cinco anos para que a Justiça Eleitoral possa suspender repasses do fundo partidário, maior punição por contas irregulares. O assunto, que passou quase desapercebido, é controverso.
No TSE, não está claro se a prescrição da pena impede outras sanções. Uma delas seria a devolução de recursos do fundo partidário usados irregularmente. Outro ponto polêmico é se a lei tem efeito retroativo, isto é, se já livrou de punição partidos cujos processos não foram julgados após cinco anos. Esse prazo é calculado a partir da apresentação da prestação de contas, que deve ser feita até 30 de abril do ano seguinte.
O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que foi relator da minirreforma, disse que não se lembrava do prazo de cinco anos inserido pela nova lei:
- Embora tenha sido relator, eu não lembrava. Não há dúvida do sentido: cria-se uma espécie de prazo decadencial, conhecido como prescrição. Isso não impede que a Justiça julgue e aplique outras sanções.
Penas leves para contas rejeitadas
Nos partidos, há quem se considere a salvo de punições. No TSE, porém, fala-se que a regra só valerá para processos iniciados após a sanção da lei em setembro de 2009. A minirreforma também abrandou a pena. Antes, a desaprovação das contas levava à suspensão dos repasses do fundo por um ano. Para o PT, em 2009, isso equivaleria a prejuízo de R$23 milhões; para o PSDB, de R$21,2 milhões. Agora, o bloqueio pode ficar restrito a um mês.
Os balanços anuais encaminhados pelo PT estão em aberto desde 2001, mesmo nos casos em que a área de fiscalização recomendou a desaprovação das contas - como o dos processos de 2002, 2003 e 2006, segundo informa o tribunal. Como o GLOBO mostrou em 2008, o PT usou dinheiro do fundo partidário para bancar despesas de sua festa de 26 anos, em 2006.
A lista de compras para a festa que aconteceu no rastro do mensalão incluiu vinho, champanhe e bufê. Convites foram vendidos, e os gastos entraram na contabilidade como "propaganda doutrinária", uma das despesas que podem ser pagas pelo fundo, segundo a legislação.
A auditoria detectou que o PT recebeu doação de R$50 mil da empresa Rodrimar S.A. Transportes e Equipamentos Industriais, uma concessionária de serviço público proibida de dar dinheiro a partidos. Alertado pelo TSE, o partido devolveu a quantia, o que não evita punição. Tesoureiro do PT à época, Paulo Ferreira nega irregularidade. Quanto à demora nos julgamentos, responsabiliza o TSE:
- O atraso não é nosso, está tudo OK. Não é o PT que julga. O que ocorre no caso do PT, que é atípico, é que a movimentação contábil é verdadeiramente em volume muito superior à soma de quase todos os partidos.
PSDB tem processo mais antigo no TSE
O processo mais antigo à espera de julgamento é do PSDB, referente a 2000, durante o governo Fernando Henrique, quanto a sigla abocanhava a maior fatia do fundo partidário. A Coordenadoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias do TSE propôs a desaprovação das contas, citando irregularidades. Uma delas, segundo a área técnica, é que o PSDB não comprovou a destinação de R$389.550 à Marka Serviços de Engenharia Ltda.
A empresa tinha como sócio o então secretário-geral do PSDB, deputado federal Márcio Fortes, que assinou cheques do partido para a Marka, que teria organizado comícios em 2000. Para os técnicos do TSE, as notas fiscais são "inidôneas", já que foram emitidas quatro anos depois de a empresa ter a inscrição cadastral cancelada. Os auditores concluíram que o partido pagou com fundo partidário toalhas roubadas de um hotel durante evento da juventude tucana.
O vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, e o próprio Fortes dizem que não há nada de errado com as contas. E argumentam que o caso estaria prescrito.
- A reforma (eleitoral) diz que o tribunal não pode rejeitar contas caso se passem cinco anos. Não há necessidade de comprovar (o pagamento à empresa) - afirma Eduardo Jorge.
- Há tempo não ouço falar disso - diz Fortes. - A grande matéria é se ele deve ou não ser julgado, uma vez que se passaram cinco anos.