Título: Foi um dinheiro que Roriz mandou eu receber
Autor: Brito, Eurides
Fonte: O Globo, 02/03/2010, O País, p. 10

Deputada que aparece guardando quantia na bolsa acusa ex-governador do DF de estar envolvido no esquema

ENTREVISTA

Apontada entre os políticos que teriam embolsado propina do mensalão do DEM no Distrito Federal, a deputada distrital Eurides Brito (PMDB) decidiu quebrar o silêncio e partir para a ofensiva contra o exgovernador Joaquim Roriz (PSC). Ela diz que era de Roriz o dinheiro que recebeu de Durval Barbosa e guardou na bolsa num dos vídeos mais conhecidos da Operação Caixa de Pandora da PF. Eurides acusa o ex-aliado de tramar o escândalo para atingir o governador afastado José Roberto Arruda (ex-DEM) e avisa que não vai renunciar ao mandato.

Para a assessoria de Roriz, a versão da deputada é ¿fantasiosa¿.

Bernardo Mello Franco

BRASÍLIA

O GLOBO: Como explica o vídeo em que aparece guardando maços de dinheiro na bolsa? EURIDES BRITO: Foi um dinheiro que o Roriz mandou eu receber. Fiz uma dissidência no PMDB para apoiar Arruda (em 2006). O tempo ia passando, e as bases indo para o Arruda. Um dia, procurei o governador (Roriz) e disse que não podia esperar mais. Ele bateu no meu ombro e disse: ¿Pode ir. Se precisar de mim para alguma reunião, pode me convidar que eu vou¿.

Como foi a negociação? EURIDES: Eu disse que seria uma campanha difícil. Ele disse: ¿Você não vai deixar de apoiar meu nome, não é?¿ Respondi: ¿Nunca. O senhor é meu candidato a senador¿. Então ele pediu: ¿Na sua propaganda, não ponha o nome do Arruda nem da Maria de Lourdes.

Mas quero que ponha Roriz senador¿. Respondi: ¿Eu ponho, mas o senhor vai me ajudar?¿. E ele: ¿Pode fazer que te ajudo¿.

Como ele ajudou? EURIDES: Fiz 12 reuniões, incluindo café da manhã, galinhada de almoço e muita festa junina. Não passou de R$ 30 mil. Em alguns lugares não era só comida, a gente tinha que pagar ônibus para trazer as pessoas. Mas o tempo passou e ele não me pagou.

Como a senhora conseguiu receber o dinheiro? EURIDES: Por volta de agosto, disse: ¿Fiz as reuniões que o senhor pediu, botei seu nome nos panfletos e o senhor não me pagou ainda¿. O governador, que sempre me tratou gentilmente, pôs o dedo na minha cara e disse (elevando o tom de voz): ¿Você não vai ganhar a eleição¿. No dia seguinte, recebi o telefonema do Durval para pegar o dinheiro.

No vídeo, a senhora tranca a porta do gabinete antes de guardar o dinheiro...

EURIDES: Foi muito explorado pela imprensa, até num tom de deboche, que eu fui tão cuidadosa que voltei para trancar a porta. Durval disse para fechar a porta. Se eu ia buscar algo que me mandaram buscar, não precisava estar num ambiente trancado.

Tenho vida pública, nunca passei por um vexame desse.

A senhora sabia a origem do dinheiro? EURIDES: Ninguém me falou.

Se você não é bandido e não vive na malandragem...

mandou pegar, eu não perguntei.

Já era tempo de campanha, ele era um dos tesoureiros.

Eu queria era o meu dinheiro.

A Justiça Eleitoral exige que as doações sejam registradas e em cheque.

EURIDES: Mas a despesa era pré-eleitoral. Ele é que me pagou atrasado.

Não estranhou o pagamento em dinheiro vivo? EURIDES: Não. Tem muita gente que guarda dinheiro vivo.

Aqui em Brasília, se paga muito com dinheiro vivo.

Segundo Durval, a senhora recebeu mesada de R$ 30 mil para apoiar Arruda.

EURIDES: Ele (Durval) diz ter sido escolhido para entregar dinheiro a cinco deputados, e eu apareço na lista menor de recebimento.

Não é esquisito a líder do governo valer menos que outros? É uma história sem pé nem cabeça. Se alguém foi escalado para me entregar R$ 30 mil por mês, vou perguntar a quem foi entregue, porque deverá ser devolvido aos cofres públicos.

Nunca ninguém me deu dinheiro. Fui líder do governo, por que precisariam comprar o meu voto?

Como líder, a senhora sabia do mensalão do DEM? EURIDES: Arruda nunca tratou comigo de repasse a deputados.

Se ele chefiou esse esquema, com certeza absoluta eu não participei. Se existiu? Não posso dizer nem que sim nem que não.

A senhora poria a mão no fogo por Arruda? EURIDES: Essa pergunta é muito difícil de responder. Como posso pôr a mão no fogo por alguém com quem só convivo nos horários de expediente?

Pretende renunciar? EURIDES: Não. Prefiro ser cassada, mas cair de pé. Outro dia, uma eleitora disse: ¿Voto na senhora mesmo que tenha roubado¿. Respondi: ¿Obrigada pela amizade, mas nunca vote num ladrão. Só quero que vote se tiver certeza que eu não fiz isso¿.

Aliados de Arruda já defendem abertamente sua renúncia.

Ele vai ser cassado? EURIDES: Outro dia, na Câmara Legislativa, ouvi um deputado dizer: ¿Aqui não há amizades, há interesses¿. Então o Arruda já era.