Título: Qual é a lição?
Autor: Goldfanjn, Ilan
Fonte: O Globo, 02/03/2010, Opinião, p. 7
Estou voltando da Coreia. São mais de 24 horas de voo. Tempo mais do que suficiente para escrever este artigo. Mas o jet lag, a fadiga do corpo devido à viagem e à diferença de horário, parece um obstáculo quase intransponível. As propostas discutidas nos seminários internacionais na Coreia, nos últimos dias, também parecem sofrer de fadiga, mas da crise financeira e suas consequências.
Como resolver o problema das dívidas e dos déficits dos governos após a crise? Como regular o sistema financeiro após o seu colapso? E as políticas regulatórias e macroeconômicas como devem mudar ou serem aperfeiçoadas? Dada a extensão dos problemas atuais, os participantes se esforçavam para apresentar propostas boas e originais. Mas, usando uma frase já folclórica entre os economistas, ¿infelizmente as propostas boas não eram originais, e as originais não eram boas¿. Entre as originais, inclui-se a elevação das metas de inflação, proposta pelo FMI. Entre as outras, o uso mais intenso de várias medidas para evitar bolhas e a necessidade urgente de divulgar planos de ajuste fiscal futuros para impedir a explosão das dívidas dos países avançados no longo prazo.
No papel de propostas nem boas nem originais, encontra-se a reavaliação do uso de controle de capitais pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em geral, a sensação é de uma busca frenética por mais instrumentos para resolver as agruras atuais, já que existem vários objetivos conflitantes (disciplina fiscal versus estímulo, juros baixos versus novas bolhas, evitar a crise futura versus sair desta).
Na questão fiscal, a dificuldade é evidente. Em um artigo do FMI, Carlo Cottarelli e Jose Viñals projetam que a dívida pública combinada dos países desenvolvidos irá subir de 73% do PIB, em final de 2007, para 109% do PIB, em 2014. Todos os países do G7, com exceção do Canadá, teriam cada um uma dívida de pelo menos 85% neste ano. Nem tudo é consequência da crise e do dinheiro público usado nos resgates. Uma boa parte do aumento se deve ao envelhecimento da população nessas economias (menos ativos para financiar mais aposentados) e às necessidades crescentes na área de saúde. A crise só piorou uma situação que já era delicada. O artigo calcula que para conseguir estabilizar a dívida no valor de 60% do PIB, ao final de 2020, seria preciso um ajuste médio de 8% do PIB nos déficits públicos desses países. Para simplesmente evitar a explosão da dívida, seria necessário um ajuste de 5% do PIB nos déficits, calcularam os autores na apresentação. O ajuste fiscal teria que ser uma combinação de corte de gastos correntes, inclusive redução dos benefícios previdenciários e de saúde esperados, e aumento de impostos.
Ênfase foi dada ao uso de mais instrumentos na política macroeconômica.
Não é necessário se concentrar na taxa de juros básica, controlada pelos bancos centrais, para resolver todos os problemas que surgem. Se há excesso de alavancagem (ou seja, excesso de risco), há que exigir mais capital, de preferência na hora do boom. Se há muita ou (ao contrário) pouca liquidez, modifiquemse as razões de liquidez exigidas aos bancos. Quando houver bolha no mercado imobiliário, o regulador tem de exigir valores mais altos de sinal na compra, em relação ao empréstimo tomado do banco.
Se os mercados acionários parecerem estar destoando da realidade e dos fundamentos, exigem-se mais margens depositadas para efetuar as transações. Todos esses instrumentos são falíveis, mas a ideia é que façam parte de um arcabouço macroprudencial que possa diminuir a incidência e o custo das crises futuras.
E, para o Brasil, qual é a lição desses debates internacionais? A mesma dos países avançados: é quando a situação está sobre controle que regras e programas de longo prazo devem ser desenhados. Por exemplo, está na hora de aprovar regras de controle de longo prazo no crescimento dos gastos correntes, rever a situação atuarial da previdência (o Brasil não será um pais jovem para sempre) e abrir espaço para o investimento (público e privado). Nada original, mas bom o suficiente.