Título: Fidel defende Lula e nega torturas em Cuba
Autor: Vicent, Mauricio
Fonte: O Globo, 03/03/2010, O Mundo, p. 31

Em nota lida na TV estatal, ex-líder cubano diz que críticas a brasileiro são obra de invejosos a serviço dos EUA

SANTA CLARA. O ex-líder cubano Fidel Castro garantiu ontem que Cuba jamais ordenou o assassinato de um adversário. Num comunicado lido por um locutor da TV estatal, Fidel reagiu às críticas internacionais contra o governo comunista após a morte do dissidente Orlando Zapata Tamayo, que sucumbiu a quase três meses de greve de fome na cadeia, semana passada. Na nota, ele defendeu especialmente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também sob uma enxurrada de críticas por não condenar a morte de Zapata na recente visita que fez a Havana.

Dois dissidentes desistem de protestar com greve de fome

"Alguns invejosos de seu prestígio e glória e pior ainda, aqueles que servem ao império (Estados Unidos), criticaram-no por visitar Cuba. Mas, há muitos anos, Lula sabe que em nosso país nunca se torturou ninguém, nunca se ordenou o assassinato de um adversário, nunca se mentiu para o povo. Ele tem certeza de que a verdade é companheira inseparável de seus amigos cubanos", afirmou Fidel.

Lula se reuniu com Fidel e seu irmão, o atual presidente cubano, Raúl Castro, em Havana, há uma semana. Na presença dele, Raúl pronunciou as primeiras palavras sobre o caso Zapata, perguntado por jornalistas brasileiros que acompanhavam a comitiva presidencial.

- Não houve tortura e não houve execução. Isso acontece na Baía de Guantánamo - alfinetou Raúl, referindo-se aos escândalos de abuso contra presos acusados de terrorismo na base militar administrada pelos EUA em solo cubano.

Ontem a televisão cubana divulgou um vídeo com a versão oficial sobre o tratamento de Zapata na prisão. Numa reportagem de quase nove minutos, vários médicos asseguraram que ele recebeu atendimento médico rigoroso e que, quando seu estado de saúde se agravou, lhe ministraram "produtos alimentícios de última geração" para salvar sua vida. Os especialistas dizem ter atendido o dissidente no hospital de Camagüey e também no Hospital Nacional de Presos, na principal penitenciária de Havana. O vídeo acusa ainda a "contrarrevolução de levantar uma campanha de difamação contra o governo".

Enquanto isso, dois dissidentes cubanos presos decidiram suspender a greve de fome iniciada na semana passada em protesto à morte de Zapata. Na noite de segunda-feira, Diosdado Gonzalez, que cumpre pena de 20 anos na prisão Kilo 5 da província de Pinar del Rio, desistiu do protesto e, ontem, foi a vez de Eduardo Díaz Fleitas, que cumpre uma sentença de 21 anos na mesma cadeira, também interrompeu o jejum.

Apesar da desistência, ainda há outros dois presos, além do jornalista Guillermo Fariñas, firmes na decisão de não comer ou mesmo beber. Segundo o também dissidente e porta-voz da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN), Elizardo Sanchez, os dois militantes ainda atrelados ao protesto são Nelson Molinet e Fidel Suárez. Todos ignoraram os pedidos de Sanchez para abandonar a manifestação.

A morte de Zapata acendeu um sinal amarelo na dissidência e dividiu opiniões. Nos últimos dias, a maioria dos dissidentes expressou repúdio às greves de fome nas prisões de Cuba. Ativistas de direitos humanos e parentes de presos vêm tentando convencer os grevistas a mudar de atitude, alegando que o governo comunista é completamente insensível, além de alertar para a necessidade de preservar a saúde dos detentos.

Segundo o porta-voz do CCDHRN, é provável que todas as greves de fome cheguem ao fim, à exceção de Fariña. Conhecido ativista político, ele tem no currículo 23 greves desde 1995. Na maior, em 2006, passou seis meses em protesto, com intervalos de internação hospitalar para ser alimentado por via intravenosa, para exigir acesso irrestrito à internet, algo que ainda não existe na ilha.

- Ninguém conseguiu convencê-lo: nem a mãe, a esposa ou a filha - contou Sanchez.