Título: Apesar de plano de socorro, ajuda ainda é lenta
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Fonte: O Globo, 03/03/2010, O Mundo, p. 28/29

Exército destaca 14 mil militares para atender áreas atingidas, mas vítimas reclamam de demora. Número de mortos sobe para 795

SANTIAGO. Enquanto 1,5 milhão de chilenos continuavam sem luz e 800 mil sem água, autoridades do Chile iniciaram ontem um plano para entregar assistência a todas as áreas afetadas pelo terremoto de 8,8 graus que desde a madrugada de sábado já deixou 795 mortos no país. O governo destacou 11.850 militares e 50 aeronaves para atuar exclusivamente nas regiões mais afetadas, Maule e Bío Bío - onde saques, violência e prédios em chamas compunham o cenário de caos num país que costuma ser símbolo de estabilidade e ordem no continente. Em todo o país, 14 mil militares foram destacados para atuar no socorro.

- A ajuda do governo tem sido lentíssima, muito lenta - reclamava ontem a professora Carolina Contreras, de 36 anos, que vive perto de Concepción, a segunda maior cidade do país e uma das mais atingidas.

Toque de recolher ampliado e comida porta a porta

O governo reconheceu estar com dificuldades para mandar socorro por causa de estradas arruinadas e da falta de energia. Muita da ajuda para a área costeira atingida por tsunamis que se seguiram ao terremoto está sendo entregue por mar, através de barcos da Marinha que saem do porto de Valparaíso.

Quatro dias após o sismo, moradores de algumas cidades ainda precisavam improvisar com paus e pedras barricadas para proteger suas casas de saques. Em cidades como Concepción, Talcahuano, Tomé e Chiguayante o toque de recolher foi ampliado ontem para entre 18h e meio-dia, deixando apenas seis horas para a população se reabastercer. Concepción, Talcahuano, Constitución, Tomé, Parral, Cauquenes, Iloca e Santa Cruz continuavam ontem sem luz.

Em Concepción, onde mesmo com tanques e milhares de homens o Exército não conseguiu conter uma série de incêndios por manifestantes, o governo pediu para todos ficarem em casa, prometendo que a entrega de alimentos seria feita porta a porta. Caminhões com água, comida e colchões foram retidos por militares num posto de controle na entrada da cidade até o fim do toque de recolher, ao meio-dia, e foram aplaudidos ao entrarem na cidade.

As ruas normalmente movimentadas estavam ontem desertas e militares com fuzis montavam guarda a cada 400 metros, em meio a pilhas de destroços e nuvens de fumaça. A presidente Michelle Bachelet afirmou que o Exército tinha conseguido controlar o caos na cidade.

- A avaliação que temos do dia de hoje (ontem) é que a situação em Concepción estaria sob controle - disse Bachelet, voltando a afirmar que não toleraria saques. - Esse tipo de ação não vai ser tolerado.

Mas, antes do toque de recolher, moradores tinham uma avaliação diferente.

- Os soldados chegaram há pouco e não conseguiram controlar a situação. Meus vizinhos estão se organizando para se defender pois as pessoas estão roubando casas - contou a professora Caroline Contreras.

Em San Pedro de La Paz, moradores também resolveram se defender sozinhos, armando uma barricada com paus e pedras acompanhada de um cartaz que dizia em letras garrafais: "Apenas residentes".

Concepción começou a ficar mais calma depois do toque de recolher imposto ontem, mas seus moradores viveram momentos de angústia quando uma réplica do terremoto de sábado fez ruírem os muros de um prédio enquanto equipes de resgate buscavam sobreviventes nos escombros. Bombeiros disseram que o prédio inteiro está prestes a desabar, mas afirmaram que continuariam os trabalhos.

O número de feridos ontem em todo o país estava em 500, sendo 100 em estado grave. Dezenove pessoas continuavam desaparecidas.

Feridos são transferidos para áreas não afetadas

Nove hospitais foram interditados por causa do terremoto e a área mais atingida perdeu quatro mil leitos. Hospitais de campanha serão instalados nos próximos dias para atender as vítimas, incluindo um do Peru, um do México e um do Brasil. Ainda sem a infraestrutura necessária, centenas de pessoas foram transferidas para a capital ou cidades não atingidas.

- Não recebemos nenhuma ajuda do governo. Esperávamos mais e ainda esperamos três coisas básicas: comida, água e eletricidade - disse Damian Vera Vergara, de 68 anos, na cidade de Talca, onde as autoridades também estavam sendo amplamente criticadas pela demora no socorro.

O governo anunciou o estabelecimento de uma ponte aérea entre a capital e Concepción. A LAN, principal companhia aérea chilena, informou que retomará hoje 15% de seus voos a partir do aeroporto internacional de Santiago. Apesar de o lobby ter desabado, não há relatos de danos nas pistas para pousos e decolagens, ou na torre de controle.