Título: Aécio recusa convite de Serra para ser seu vice
Autor: Camarotti, Gerson; Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 04/03/2010, O País, p. 3
ELEIÇÕES 2010
Tucanos combinaram, porém, atuação conjunta na campanha
Gerson Camarotti, Adriana Vasconcelos e Maria Lima
Ogovernador tucano de Minas, Aécio Neves, foi convidado pelo governador José Serra e recusou ser vice na chapa presidencial encabeçada pelo colega paulista. O encontro dos dois, mantido em sigilo, ocorreu na madrugada de ontem, num hotel de Brasília, e suas consequências foram sentidas na sessão solene de ontem, no Congresso, em homenagem ao centenário de nascimento do ex-presidente Tancredo Neves. O PSDB pretendia transformar a sessão de ontem num evento político para afastar qualquer dúvida sobre a candidatura presidencial de Serra, mas acabou surtindo um efeito contrário ao expor o racha enfrentado pelo partido nos bastidores.
A conversa na madrugada de ontem, porém, foi boa, segundo assessores de Aécio e Serra. O paulista fez a sondagem para o mineiro integrar a chapa de forma bem cuidadosa, deixando espaço para a negativa, o que ocorreu. Combinaram então as formas de apoio, como atuarão juntos. Aécio comentou com assessores que achou Serra muito bem, animado e decidido.
Foi a primeira vez que Serra tocou no assunto vice com Aécio. Assessores do paulista disseram acreditar que ainda ficou aberta a porta para conversa sobre a vice-presidência mais adiante, em maio ou junho.
Já no evento de ontem, que ocorreu no plenário do Senado, Serra e Aécio Neves ficaram distantes. Ao final do dia, os tucanos classificavam o evento como um espécie de "anticlímax" no caminho de consolidar o nome de Serra para a sucessão do presidente Lula, só aumentando as dúvidas e incertezas no partido. Os dirigentes e líderes evitaram entrevistas sobre o assunto.
Serra chegou atrasado à cerimônia e perdeu a inauguração do busto de Tancredo Neves no Salão Negro do Senado, e se recusou a falar de eleição. Sem concorrência, Aécio virou a atração principal da solenidade em memória de seu avô e foi saudado pela cúpula peemedebista como o grande sucessor de Tancredo, a quem o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), se referiu como "o maior político do país desta fase contemporânea da História".
Em entrevista, Aécio repetiu várias vezes que não seria vice:
- Não cogito essa possibilidade. Não cogito - disse, na chegada, repetindo, depois, na saída uma frase dita pelo avô: - Não adianta empurrar, empurrado eu não vou.
Insistentemente perguntado, Serra não cedeu:
- Não vim aqui para tratar de política eleitoral. Por enquanto, eu continuo concentrado no meu trabalho de governador de São Paulo.
Ao sair do Congresso, ele foi abordado por uma equipe do programa humorístico CQC, que ofereceu a ele um saco de pipocas e perguntou:
- Governador, o senhor vai mesmo ser candidato a presidente da República ou vai pipocar?
- Na hora vocês vão saber... - respondeu Serra rindo, sem pegar o saco de pipocas.
Diante da insistência se não iria pipocar, Serra disse:
- Não, eu vou comer a pipoca - disse, tirando um punhado de pipocas e comendo uma.
Depois, foi embora com o deputado Jutahy Junior (PSDB-BA), partindo para São Paulo no meio da tarde, enquanto Aécio ficou reunido com líderes tucanos no Senado. Com quem conversou, Serra deixou claro que não dará uma declaração de candidatura até abril. Mas deixou entre seus interlocutores a impressão de que é candidatíssimo.
- O Serra vai começar a se movimentar como candidato, sem anunciar que é candidato. No rápido encontro que ele teve com Aécio no Senado, deixou claro que é candidato. Depois do discurso dele em homenagem ao Tancredo, alguém tem alguma dúvida de que ele é candidato? - disse Jutahy Junior.
Diante do clima de crise manifestado pelas bancadas do PSDB no Congresso, Aécio Neves pediu "um pouco de serenidade" ao partido. Aécio lembrou que no momento em que anunciou a retirada de sua candidatura, fez um gesto de "despreendimento e de busca da construção da unidade partidária". Ao ser perguntando se não teme ser responsável por uma derrota do PSDB caso negasse ser vice na chapa de Serra, o mineiro foi enfático:
- Cada um de nós é responsável por aquilo que faz, e eu certamente serei responsável pelos meus atos políticos e, neste momento, a forma de eu ajudar a candidatura do meu partido é estando em Minas.
Para fazer gestos na tentativa de acalmar aliados, Serra irá hoje para a cerimônia de inauguração da Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, a nova sede do governo mineiro. Ainda esta semana irá a Goiás, para a festa de aniversário do senador Marconi Perilo (PSDB-GO), e ao Rio Grande do Sul, na Festa da Uva. Mas, depois do encontro de anteontem, foi cancelando jantar que teria com Aécio, ontem, em Belo Horizonte.
O mal-estar no PSDB pode ser resumido na frase de um importante senador tucano, no fim do dia ontem:
- Vamos deixar Serra sofrer mais um pouco para ver se ele desiste logo, e Aécio assuma isso.
Editorial reflete resistência mineira
A resistência dos mineiros à forma como o PSDB conduziu a escolha foi traduzida em editorial na primeira página de ontem do jornal "O Estado de Minas", cujo título era: "Minas a reboque, não!". O texto diz: "Indignação. É com esse sentimento que os mineiros repelem a arrogância de lideranças políticas que, temerosas do fracasso a que foram levados por seus próprios erros de avaliação, pretendem dispor do sucesso e do reconhecimento nacional construído pelo governador Aécio Neves. Pior. Fazem parecer obrigação do líder mineiro, a quem há pouco negaram espaço e voz, cumprir papel secundário, apenas para injetar ânimo e simpatia à chapa que insistem ser liderada pelo governador de São Paulo, José Serra, competente e líder das pesquisas de intenção de votos até então". O jornal cita dois supostos erros dos tucanos: a falta de debates para a escolha do candidato, como as prévias defendidas inicialmente por Aécio, e a demora na definição, o que estaria atrapalhando a busca de alianças. E pede ainda que Aécio rejeite ser vice na chapa de Serra, ou o "papel subalterno que lhe oferecem".