Título: O Brasil e o futuro do Haiti
Autor: Diop, Makhtar
Fonte: O Globo, 04/03/2010, Opinião, p. 7

Passadas algumas semanas, está claro que a tragédia no Haiti pôs em dolorosa evidência uma situação com a qual o mundo ainda não soube lidar. O terremoto e outras calamidades naturais que vêm se abatendo sobre o Haiti seriam cargas pesadíssimas sobre qualquer país. Mas o motivo pelo qual tragédias como essas ceifam tantas vidas no Haiti - mais de duzentas mil nas últimas estimativas - está enraizado em seu ciclo de instabilidade política, pobreza opressiva e falta de oportunidades.

Mudar este quadro, que perdura há séculos, é uma tarefa enorme, que precisa do apoio duradouro da comunidade internacional. O Brasil e o Banco Mundial têm esse compromisso e protagonizam esforços que antecedem o terremoto e buscam ir ao centro dos problemas do país.

Além da liderança da Missão da ONU para a Estabilização do Haiti (Minustah), o Brasil faz um amplo trabalho social e de capacitação, ajudando a criar as bases para a estabilidade e o crescimento do Haiti. A transferência de experiências e conhecimento de programas e políticas públicas brasileiras - especialmente nas áreas sociais e de infraestrutura - é valiosa para o Haiti. Há mais de 30 programas de desenvolvimento mantidos pelo Brasil no país, alguns dos quais com a parceria do Banco Mundial e de outros organismos internacionais. Por seu lado, o Banco executa projetos de aproximadamente R$640 milhões, a fundo perdido. Iniciativas como essas ajudaram o país mais pobre do hemisfério ocidental a crescer dois por cento em meio à recessão global do ano passado.

Após o terremoto, o Brasil imediatamente reiterou seu compromisso de fortalecer a sua ação social. A lamentável perda de vidas, inclusive de D. Zilda Arns, testemunha o empenho e a prioridade dedicados pelo Brasil - governo e sociedade - à causa do Haiti. Desde a calamidade, o governo já empregou mais de R$500 milhões em operações humanitárias. Somado a doações de entidades e indivíduos, este valor deve chegar a R$1 bilhão. São valores extremamente expressivos, ainda mais em se tratando de um país em desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, o Brasil está propondo a isenção de tarifas de exportação para o Haiti, como forma de ajudar a reconstrução e estimular a economia. Da mesma forma, o Banco Mundial anunciou, no dia seguinte ao terremoto, uma doação emergencial equivalente a R$180 milhões, e apresentou plano para zerar o restante da dívida do país (a maior parte tinha sido cancelada em 2006) e conclamar outros organismos financeiros a fazerem o mesmo. Nos fóruns internacionais, o Brasil e o Banco Mundial têm tido posições coordenadas de apoio ao Haiti.

Tudo isso mostra que o compromisso do Brasil e do Banco Mundial com o Haiti não é novo, nem de ocasião. A experiência direta que o Brasil tem no Haiti está sendo essencial para estruturar a ajuda após o cataclisma. Esta é uma tarefa complexa do ponto de vista logístico, e, por vezes, paradoxal. Por exemplo, doações de alimentos acima do necessário podem desestabilizar a produção local, causando dependência e enfraquecendo ainda mais a economia haitiana. A experiência local e as redes de contatos e confiança criadas pela Minustah e pelo Brasil são uma enorme vantagem para a efetividade da ajuda neste momento, e para a reativação da economia do país caribenho sobre bases mais sólidas.

A continuada liderança do Brasil, não apenas na reconstrução do Haiti, mas em galvanizar um maior compromisso da América Latina com o país e na tarefa de ajudá-lo a galgar níveis aceitáveis de desenvolvimento humano e institucional - algo que a comunidade internacional foi incapaz de lograr em mais de duzentos anos - é essencial para que o Haiti possa se levantar. Novos terremotos e furacões infelizmente virão, mas um país mais estruturado e menos pobre será capaz de se preparar e proteger seu povo com muito mais eficiência. Este pode ser o grande legado que o Brasil dará ao Haiti.

O Haiti, dono de uma história importantíssima para a causa da liberdade e dos direitos humanos - foi a primeira nação das Américas a conquistar o fim da escravidão e grande apoiadora desta causa e da independência na América Latina - está há tempo demais à deriva.

MAKHTAR DIOP é diretor do Banco Mundial para o Brasil.