Título: Nova onda de pânico no litoral
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 04/03/2010, O Mundo, p. 32

Tremores fazem população fugir para as montanhas, ignorando apelos de calma do governo

Enquanto soldados ainda buscam corpos nas regiões mais afetadas pelo terremoto do último sábado, o Chile voltou a sofrer ontem réplicas que provocaram pânico e puseram abaixo a tentativa de recuperar a normalidade no país, principalmente na região sul. Pelo menos quatro réplicas mais fortes variando entre 5,1 e 5,9 na escala Richter foram sentidas no início da tarde de ontem, segundo o Serviço Geológico dos EUA (USGS), voltando a assustar os moradores de cidades já marcadas pela tragédia, como Concepción e Maule. Menos de duas horas depois, os prédios da capital, Santiago, também sentiram os efeitos do abalo sísmico.

Em Concepción, cidade litorânea a 519 quilômetros da capital, centenas de moradores abandonaram suas casas e seguiram para o alto de um morro. Houve corre-corre nas ruas, e algumas das lojas que ontem voltavam a operar tiveram de baixar as portas novamente. O governo descartara a ameaça de novas ondas gigantes, mas, descrentes, muitos ignoraram o pedido de calma e correram em direção às montanhas. Uma das cidades mais afetadas pelas tsunamis, em Concepción, a própria polícia incitou a retirada às pressas por alto-falantes. No sábado, muitos só se salvaram das tsunamis por ignorar o governo e fugir no meio da madrugada. Ontem a presidente Michelle Bachelet reconheceu ter recebido informações a tempo, mas erradas, sobre a ameaça de tsunami no sábado.

"As características do sismo não reuniam as condições necessárias para gerar uma nova tsunami", afirmou ontem o comunicado do Departamento Nacional de Emergências (Onemi). Mesmo assim, centenas de pessoas se recusavam à tarde a deixar as montanhas.

Já em Santiago, o tremor de 5,8 graus não chegou a causar pânico, mas provocou problemas em edificações. Parte de uma galeria de lojas e restaurantes cedeu minutos depois de os frequentadores deixarem o local.

Ao todo, já houve mais de 100 réplicas do tremor desde sábado, embora a maioria de baixa ou média intensidade. Segundo Víctor Saldiña, especialista do Centro para Alertas de Tsunamis no Pacífico do USGS, geralmente o risco de ondas gigantes se inicia com tremores a partir de 6,5 graus.

Governo admite erro sobre tsunamis

Segundo um documento divulgado ontem, a Onemi foi informada do risco de tsunami no sábado às 3h55m (cerca de 15 minutos após o terremoto) e, de novo, às 4h07m. Mas ao comunicar o fato a Bachelet, às 5h20m, o Exército passou uma informação errada: "O epicentro está em terra, logo não deve haver tsunami", decretou o documento, usado por Bachelet para descartar tsunamis à população, às 5h30m. Mas enquanto a presidente fazia seu primeiro pronunciamento, ondas de até 15 metros atingiam cidades da costa.

Com a voz embargada, Bachelet confirmou o erro ontem e anunciou que o número de mortos, agora em 802, deve crescer, diante das centenas de desaparecidos.

- Tenho a impressão de que haverá muito mais mortes - disse, com lágrimas nos olhos, mas defendendo sua equipe. - Não é má-vontade ou responsabilidade de ninguém em especial, aqui não teve quem tenha faltado ao dever ou quem não fez o que tinha que fazer, aqui finalmente acabaram-se todas as comunicações.

Bachelet pediu ao povo confiança, respondendo às críticas de lentidão no socorro às vítimas:

- Fiquei muito consternada e muito doída. Queria dizer ao povo que tenha confiança, estamos trabalhando com muito esforço e muito compromisso para chegar aos lugares mais distantes. Peço que tenham confiança no Chile, o Chile vai se pôr de pé.

A ajuda começou a finalmente chegar por helicóptero a localidades isoladas. Em Concepción, foi iniciada a primeira distribuição de comida, ao mesmo tempo em que o Exército conseguiu diminuir a violência na cidade - onde o toque de recolher de 18 horas (de 18h ao meio-dia) segue em vigor. Cerca de 150 caminhões militares entraram na cidade pela manhã. Pouco depois, filas imensas haviam se formado em frente ao primeiro supermercado a abrir as portas, um alívio para a população que já estava pagando três vezes mais do que o normal por um saco de farinha. A cidade ainda está praticamente sem energia elétrica. Apenas 20% tem luz e o serviço de água continua interrompido.

- Estamos mais tranquilos hoje, pois vemos os militares e também vimos passarem alguns caminhões com comida para o supermercado. Acho que o pior já passou - disse a moradora Patricia Recabarren, de 44 anos.

Resgatadas 79 pessoas de edifício

Em outra boa notícia, equipes de resgate anunciaram ontem terem conseguido tirar 79 pessoas com vida do edifício Alto Río, um dos mais afetados pelo terremoto de sábado. O comandante dos bombeiros, Juan Carlos Subercaseaux, informou que apenas seis pessoas ainda estavam desaparecidas. As equipes encontraram sete corpos.

- Temíamos que uma centena de pessoas tivessem morrido com a queda do edifício, mas graças a Deus o número é muito menor - afirmou.

O governo informou que dez hospitais de campanha seriam montados em até 72 horas. Um deles viria da China. A ajuda do Brasil era esperada para chegar ainda ontem.