Título: O dia do fico
Autor:
Fonte: O Globo, 06/03/2010, Opinião, p. 7

O que há de fundador na primeira entrevista de Dilma como candidata assumida à Presidência da República? A palavra da candidata é de um ¿fico¿ enérgico, num situacionismo para durar.

Certo, o PT terá o seu lugar na nova etapa, mas não há donos políticos do sistema emergente, nem se identifica a legenda mais a este ¿povo de Lula¿, beneficiário do PAC, a só acrescer as suas vantagens nos próximos meses.

O que se torna irreversível, desde agora, é o quanto o governo Dilma é elo de uma era, e a candidata não deixa dúvidas sobre a recondução preferencial do presidente, já, em 2014. No que fica e não muda, mantém-se, irreversível, a presença do Estado na economia. Se se privatizou a Vale do Rio Doce, no governo anterior, Dilma é clara em exigir da produção diferenciada da empresa mais que a velha exportação colonial do minério brasileiro. É, ainda, contundente a crítica a toda veleidade de um ¿Estado mínimo¿, diante da dimensão social prioritária da mudança, no que sempre caberá à iniciativa pública, por exemplo, na área do saneamento básico, da drenagem ou da habitação.

O desenvolvimento põe, nestes termos, em causa a ¿perversidade monstruosa¿ de todo privatismo estritamente empresarial. É muito possível que, como resultado do sucesso do PAC, seja a própria estrutura federativa que venha se modificar, tanto a Constituição do Dr. Ulysses entregou ao Estado federado, muito mais que à União, a garantia do bem-estar nacional.

Falta-nos, ainda, continua a candidata ¿ e atentamos à mais incisiva visão de futuro ¿, uma política de pesquisa que associe a iniciativa público-privada nas cadeias de inovação ou para o avanço da nanotecnologia mal começada no país.

O pronunciamento da candidata é amplo no horizonte da política externa.

Desarma a ¿microvisão¿ das relações com o Irã. Acentua as contradições, ainda, de uma política hegemônica americana, para um efetivo desarme internacional e fica nos limites da cortesia diplomática no conflito do governo Chávez com a maturidade democrática do continente.

A proposta de Dilma vai a um programa, não à extensão sonâmbula do carisma de Lula. E a candidata que emerge não é tanto a mulher, ou a apparatchik, na inflexibilidade tecnocrática da caricatura, mas do perfil do governo diferente que vai às urnas, fora das clássicas expectativas de usura de um situacionismo prolongado de um eleitorado que sabe o que não quer de volta.

CANDIDO MENDES é integrante do Senior Board do Conselho da Unesco.