Título: Made in USA com tarifa maior
Autor: Oliveira, Eliane; Novo, Aguinaldo
Fonte: O Globo, 09/03/2010, Economia, p. 21

Eliane Oliveira, Aguinaldo Novo e Bruno Rosa

BRASÍLIA, SÃO PAULO, RIO e NOVA YORK

Ogoverno brasileiro cumpriu a promessa e divulgou ontem a lista final de bens oriundos dos Estados Unidos cujas alíquotas de importação serão elevadas em até 100%, como retaliação aos subsídios americanos ao algodão, autorizada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). São 102 itens que, dentro de um mês, terão seu ingresso no Brasil dificultado pelo aumento das tarifas ¿ como automóveis, cujo imposto passará de 35% para 50%, tecidos de algodão (de 26% para 100%) e alguns eletrodomésticos, que passarão a ser tributados em 40%. Há ainda o trigo, cuja tarifa vai subir de 10% para 30% e, segundo os produtores, deve haver repasse a farinhas, massas e pães. Os preços de automóveis e motos importados dos EUA ¿ modelos de luxo, em torno de R$ 100 mil ¿ também devem subir.

O objetivo do governo brasileiro com a lista é pressionar os EUA a apresentarem, em 30 dias, uma contraproposta que evite uma retaliação total de US$ 829 milhões. Caso o governo americano não apresente compensações consideradas satisfatórias, será a primeira vez que o Brasil sancionará um parceiro comercial.

O país também será pioneiro na chamada retaliação cruzada, que permite a taxação de bens junto a punições nas áreas de serviços e propriedade intelectual.

A retaliação autorizada pela OMC, de US$ 829 milhões, é a segunda maior da história do organismo. O recorde, de US$ 4 bilhões, foi em uma disputa entre União Europeia e EUA sobre subsídios americanos a grandes empresas. Não houve sanção porque os EUA mudaram sua legislação.

Além da taxação de bens, o governo brasileiro publicará no próximo dia 23, para consulta pública, uma série de sanções nas áreas de serviços e propriedade intelectual, com destaque para a cassação de patentes de medicamentos e o bloqueio temporário da remessa de royalties para os EUA.

Fabricante: farinha e massas vão subir

A lista corresponde a US$ 591 milhões da pauta de importações, de um total de US$ 20 bilhões comprados dos EUA em 2009. O restante da retaliação, US$ 238 milhões, será aplicado nos setores de propriedade intelectual e serviços.

Se não houver acordo com os EUA, a retaliação vai afetar o bolso do consumidor.

A Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo) estima que, imediatamente, os custos para importar o produto subirão 16%, afetando preços ao consumidor de farinha de trigo, massas e pães. Com a queda da produção na Argentina, os EUA passaram a ser um fornecedor importante.

Historicamente, os americanos respondem por 5% das importações de trigo do Brasil, de cerca de cinco milhões de toneladas por ano.

¿ A medida do governo não é muito inteligente, para não dizer outra coisa ¿ afirmou o diretor da Abitrigo, Antenor Barros Leal.

Entre os remédios, a nova tarifa não vai elevar os preços. Segundo Antonio Britto, presidente-executivo da Interfarma, que reúne as empresas farmacêuticas, os itens que ganharam nova tarifa têm o preço controlado pelo governo, e os importados dos EUA não têm volume relevante no país.

No setor automotivo, o impacto será pequeno. Na Chrysler, apenas dois modelos da marca Jeep (Wrangler e Cherokee Sport, por volta de R$ 117 mil) vêm de fábricas americanas. Ao todo, os veículos vindos dos EUA representam de 10% a 15% do mix da montadora no Brasil. Em motos, os modelos americanos também são os mais caros. É o caso da Honda, que importa dos EUA a GL 1.800 Gold Wing, de R$ 97 mil. Segundo Francisco Magalhães, diretor da concessionária Land Rio, o maior volume de importados vem de Japão, Ásia e Europa. Ele disse que os preços vão aumentar, mas o mercado nacional não mudará.

Professor do Insper-SP, o economista Alfredo Reis disse que, apesar da ameaça de empresários, o peso de um eventual reajuste na inflação ficaria em cerca de apenas 0,1 ponto percentual: ¿ Se o mercado projeta um IPCA de 4,9% no ano, agora fala em 5%.

Para o diretor de Negociações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Mário Marconini, o eventual reajuste dos itens da lista faz parte ¿da realidade de mercado¿. E ressaltou que seria pior não retaliar.

¿ Entendemos que o Brasil tem o direito de usar essa retaliação para pressionar pela reabertura de negociações ¿ disse Marconini.

Josefina Guedes, diretora da Guedes & Pinheiro Consultoria Internacional, destaca que, da lista, somente o trigo figura entre os cem produtos que os EUA mais vendem ao Brasil.

¿ Parece que o Brasil escolheu produtos que não fazem parte de setores politicamente importantes nos EUA. O governo não queria criar um impacto no desenvolvimento, ao taxar itens importantes ¿ afirmou.

Ao divulgar a lista, a secretáriaexecutiva da Camex, Lytha Spíndola, assegurou que as restrições não causarão desabastecimento. Ela lembrou que a indústria nacional também não será prejudicada, pois insumos e equipamentos não entraram na lista: ¿ Buscamos evitar retaliar em produtos que a indústria nacional não tenha condições de produzir e abastecer e nos quais não existam fornecedores alternativos para evitar desabastecimento interno.

Decisão deixou EUA `desapontados¿

Em visita ao Brasil na semana passada, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse que o país começaria, esta semana, a negociar um acordo com o Brasil. Mas até agora não houve qualquer sinal. Hoje chega a Brasília o secretário de Comércio dos EUA, Gary Locke, para participar de um encontro entre executivos dos dois países. A Embaixada dos EUA, porém, avisou que ele não está credenciado a discutir a retaliação, o que cabe ao Escritório de Comércio, o USTR.

Em nota, a porta-voz do USTR, Nefeterius McPherson, disse ontem que os EUA ficaram ¿desapontados¿ com a ameaça de retaliação do Brasil. ¿Trabalhamos para encontrar uma solução sem a necessidade de que o Brasil recorra a essas medidas e continuamos preferindo uma solução negociada