Título: Massacre agrava crise na Nigéria
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Fonte: O Globo, 09/03/2010, O Mundo, p. 27

Disputa étnica e religiosa mata 500 pessoas no país, que enfrenta também vácuo de poder

VÍTIMAS DA violência são enterradas numa vala comum de um vilarejo cristão próximo a Jos: confrontos acirraram-se em janeiro, e muçulmanos desrespeitaram toque de recolher

ABUJA e JOS, Nigéria

Em meio a uma grave crise política que já afeta a exploração de suas ricas reservas de petróleo, a Nigéria foi palco, no último fim de semana, de um massacre de 500 pessoas ¿ a maioria cristãos de aldeias próximas à cidade de Jos, no centro do país. A violência, atribuída pelo governo a muçulmanos, tem origem numa profunda divisão étnica e religiosa: a população nigeriana é formada 50% por muçulmanos (localizados mais ao norte) e 40% por cristãos (predominantes no sul do país). Jos está localizada numa região conhecida como ¿cinturão do meio¿, repleta de minas e outros recursos naturais, quedas d¿água, assim como vida selvagem, sendo o principal polo turístico da Nigéria. No entanto, ali também dezenas de grupos étnicos seguidores das duas religiões disputam essa riqueza. Desde 1999, os confrontos já deixaram mais de 12 mil mortos, o que levou ontem o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a pedir moderação:

¿ Estou profundamente preocupado com a repentina violência sectária na Nigéria. Convoco todas as pessoas envolvidas a exercer máxima moderação.

Os muçulmanos da corrente fulani, predominantes na área, reclamam do governo dominado pelos cristãos no estado de Plateau, cuja capital é Jos, que, segundo eles, não lhes dá as mesmas oportunidades de trabalho. Segundo balanço informado pelo porta-voz do governo do Estado de Plateau, Gregory Yenlong, a situação em Jos e arredores é de caos: com medo da violência, milhares de cristãos abandonaram suas casas. Armados com revólveres, metralhadoras e machados, pastores fulani invadiram, no domingo à noite, casas e mataram todos que encontraram pela frente. Em apenas três horas, centenas de pessoas, entre elas muitas mulheres, crianças e até bebês, foram mortas e queimadas, segundo testemunhas, que descrevem cenas de horror.

¿ Conseguimos prender 95 pessoas. Em contrapartida, mais de 500 morreram. Procuramos agora pelo líder regional dos fulanis, que teria incitado a violência e agora encontra-se foragido ¿ disse o porta-voz.

Os muçulmanos negam participação nos ataques. Segundo as autoridades e agências de ajuda humanitária, os novos ataques representam uma retaliação à violência imprimida por cristãos contra muçulmanos em janeiro último, que deixou mais de 300 pessoas mortas na mesma região nigeriana. Ontem, Robin Waubo, porta-voz da Cruz Vermelha, confirmou esta informação e lembrou que o massacre aconteceu mesmo com a imposição de um toque de recolher, que vigora na região das 18h às 6h desde janeiro passado.

Reservas de petróleo são atacadas por rebeldes

O governo de Plateau anunciou um funeral coletivo para as vítimas, enterradas em valas comuns. O presidente interino da Nigéria, Goodluck Jonathan, afirmou que os soldados estão em alerta vermelho e tropas extras foram enviadas à região. O presidente interino resolveu, ontem, demitir o Sarki Mukhtar, o poderoso conselheiro de Segurança Nacional nigeriano, um dos homens de confiança do presidente Umaru Yar¿Adua ¿ figura central na atual crise política que afeta a Nigéria.

Yar¿Adua, eleito de 2007, está afastado do poder desde 23 novembro passado, quando foi levado a um hospital na Arábia Saudita para se tratar de uma doença no coração. Ele teria retornado à sua casa, em Lagos, no fim de fevereiro mas desde então, alegando saúde frágil, não aparece em público: nem para se encontrar com o vice, Goodluck Jonathan, atual presidente interino.

O vácuo de poder ¿ somente na semana passada Goodluck Jonathan foi reconhecido no cargo pela Assembleia Nacional ¿, segundo analistas, só piora uma outra crise que vive a Nigéria pelo controle de suas ricas reservas de petróleo, a maioria localizada no delta do rio Níger, no sul do país. Nas última semana, militantes nacionalistas voltaram a atacar locais explorados por empresas estrangeiras como Agip e Shell, quebrando uma trégua negociada entre Yar¿Adua e os rebeldes em 2009.

oglobo.com.br/mundo