Título: Debate sobre cotas raciais acaba provocando constrangimento no STF
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 05/03/2010, O País, p. 13

Professor pediu silêncio a ministros e foi repreendido por Lewandowski

BRASÍLIA. Um começo de bate-boca entre o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski e um professor universitário quebrou ontem a formalidade no segundo dia de audiências públicas sobre o sistema de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB). O professor Ibsen Noronha, do Instituto de Ensino Superior de Brasília (Iesb), falava contra as cotas raciais e não gostou de ver Lewandowski conversando com o também ministro Joaquim Barbosa. Sem cerimônia, pediu silêncio.

- Eu gostaria de chamar a atenção dos ministros - disse Noronha, da tribuna. - É que tenho cacoete de professor.

Entre constrangidos e contrariados, Lewandowski e Joaquim Barbosa se calaram. Lewandowski presidia a sessão, como relator da ação de inconstitucionalidade proposta pelo DEM contra o sistema de cotas da UnB. Foi do ministro a iniciativa de realizar audiências - o ciclo termina hoje.

Noronha prosseguiu até terminar o tempo de 15 minutos destinado a cada participante. Ao final, Lewandowski reclamou da atitude de Noronha:

- Agradeço a participação do doutor Ibsen Noronha, mas não posso deixar de registrar o repúdio ao modo com que se dirigiu aos ministros.

Em seguida, Lewandowski chamou o participante seguinte. Noronha, que já havia retornado à mesa de palestrantes, levantou-se e tentou explicar-se:

- Eu não me dirigi aos ministros, eu me dirigi ao público.

Lewandowski foi enérgico:

- Não, Vossa Excelência se dirigiu aos ministros. Isso não é aceitável. Está encerrado o debate - disse ao microfone, enquanto o professor falava.

A audiência pública começou às 8h40m e terminou às 12h15m. A primeira parte foi reservada a cinco críticos das cotas raciais. Lewandowki interrompeu a sequência para permitir que o senador Paulo Paim, autor do projeto de lei do Estatuto Racial, falasse em defesa das cotas. Paim quase foi às lágrimas ao afirmar que "qualquer homem de bem neste país sabe que o preconceito contra o negro é forte".

Noronha foi o último do grupo contra cotas. Ele argumentou que a reserva de vagas para negros não pode ser justificada como reparação pela escravidão. Segundo Noronha, parte dos escravos foi alforriada e prosperou, chegando a possuir escravos. Para ele, cotas são discriminatórias com relação a filhos pobres de imigrantes brancos:

- Um descendente de escravocrata poderá se beneficiar de uma vaga, enquanto um descendente de migração recente como japoneses, italianos, poloneses, alemães, finlandeses, serão lesados, preteridos por um argumento falacioso.

Professor de História do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, Luiz Felipe de Alencastro, convidado pela Fundação Palmares, rebateu a crítica de que as cotas podem criar tensão racial no país:

- Esse alarmismo sobre o potencial de conflito é despropositado. As cotas já existem (mais de 60 universidades adotam ações afirmativas). São conflitos mínimos, em nada comparados à brutalidade dos trotes universitários.