Título: O mundo é o limite
Autor: Batista, Henrique Gomes; Novo, Aguinaldo
Fonte: O Globo, 05/03/2010, Economia, p. 29
No pós-crise, múltis brasileiras devem investir US$20 bi no exterior este ano, perto de recorde
Henrique Gomes Batista, Aguinaldo Novo e Danielle Nogueira
Passado o pior da crise financeira global, o ano de 2010 deve marcar a retomada de um forte crescimento dos investimentos brasileiros no exterior. Analistas preveem que as multinacionais verde-amarelas devem destinar perto de US$20 bilhões a outros países este ano, retomando aos níveis pré-crise e encostando no valor recorde de 2008. Com isso, o estoque de investimentos brasileiros no exterior pode chegar, no fim de 2010, a US$200 bilhões, quatro vezes mais que há dez anos: em 2000, eram apenas US$51,9 bilhões, segundo a Sobeet, entidade que reúne empresas transnacionais.
São empresas de diferentes setores que, além de retomar planos de expansão temporariamente suspensos durante a crise - em 2009, o saldo líquido de investimentos brasileiros no exterior ficou negativo em US$10 bilhões - vão aproveitar oportunidades que surgiram com a recessão global. E as primeiras estatísticas de 2010 confirmam essa previsão: até o dia 22 de fevereiro, foram US$4,284 bilhões em investimentos brasileiros no exterior.
Luís Afonso Lima, presidente da Sobeet, estima que o ano pode fechar com investimentos entre US$15 bilhões e US$20 bilhões. Se a projeção se confirmar, será o segundo melhor resultado dos últimos dez anos, perdendo apenas para 2008, quando foram R$20,457 bilhões - em 2006, os aportes do Brasil no exterior somaram R$28,202 bilhões mas foram inflados por uma única operação, a compra da canadense Inco pela Vale, por cerca de US$17 bilhões.
- Em condições desfavoráveis, o investimento externo foi sacrificado. Mas foi uma parada tática, não estratégica - afirmou.
Ele acredita que este processo é irreversível e lembra, inclusive, que o Brasil está atrasado em relação a outros países em desenvolvimento, como a Coreia do Sul, que já possui grandes marcas globais, como Samsung, LG e Hyundai.
Para o professor Álvaro Cyrino,da Fundação Dom Cabral, a retomada ainda não será com a força que se via antes da crise. Na sua opinião, neste ano as empresas vão comprar mais por oportunidades, já que a recuperação da crise nos países desenvolvidos ainda é débil. Segundo ele, uma das exceções serão as corporações do setor de alimentos - menos afetado com a crise - e de commodities, favorecidos pelo aquecimento chinês:
- Os investimentos no exterior vão voltar, mas serão mais seletivos que no passado.
Cimpor foi alvo de disputa por gigantes nacionais
A recente disputa pela cimenteira portuguesa Cimpor é o melhor exemplo do apetite das empresas brasileiras por ativos no exterior e da busca por oportunidades no pós-crise. A Cimpor foi alvo de uma briga entre Votorantim, Camargo Corrêa e CSN. As duas primeiras acabaram comprando, respectivamente, 21,2% e 31,2% das ações da empresa no mês passado. Assim, o grupo Votoratim ampliará sua atuação de 18 para 30 nações.
Algumas empresas aproveitaram a "liquidação" de ativos pela crise para ir às compras. É o caso da mineradora Vale que, em janeiro de 2009, comprou minas de potássio da Rio Tinto na Argentina. Orçado em US$4,1 bilhões, o projeto deve entrar em operação em 2013, com produção de 4,35 milhões de toneladas por ano.
Maior petroquímica das Américas, a Braskem também tirou proveito da crise. Quando entrou na disputa para a construção de um polo industrial no México, com início de produção para 2015, a companhia era uma entre os 28 interessados no projeto. Destes, 18 desistiram logo após a eclosão da crise e, no fim, só ficaram o grupo mexicano Idesa e a Braskem para comandar um investimento conjunto de US$2,5 bilhões.
- Enquanto as pessoas viram crise, nós enxergamos oportunidades - afirmou o presidente da Braskem, Bernardo Gradin.
A Braskem estima em US$3,45 bilhões os investimentos que deverão ser feitos no exterior até 2016. Com isso, a empresa quer dobrar a capacidade total de produção, hoje de cerca de cinco milhões de toneladas de resinas por ano. A Braskem arrematou também o controle da americana Sunoco e estuda projetos no Peru e Venezuela.
Na mesma linha está a Natura, que já possui cerca de 160 mil consultoras de vendas no exterior, contra 38 mil em 2005, e quase 1.400 funcionários em Argentina, Chile, Peru, Colômbia, México e França. Em 2009, a receita líquida em moeda local nas operações no exterior cresceu 42,1%.
Dois movimentos recentes mostram o interesse da companhia em avançar nesse processo. Em janeiro, o escritório em Buenos Aires ganhou o status de quartel-general da Natura na América Latina, tarefa antes centralizada no Brasil.
O outro movimento tem a ver com a logística das vendas. Hoje, todos os produtos vendidos lá fora são produzidos na unidade de Cajamar, na grande São Paulo. A empresa estuda agora ter fábricas próprias ou produzir através de terceiros em outros países. Para o presidente da Natura, Alessandro Carlucci, não faz mais sentido manter um modelo que obriga a empresa a exportar xampu do Brasil para o México, por exemplo.
Já na Gerdau, o processo será, de certa forma, inverso: 80% dos R$9,5 bilhões que a empresa investirá nos próximos cinco anos será em terra brasileira. Isso, contudo, não significa que a firma está abandonado sua internacionalização: como hoje mais da metade de se faturamento vem do exterior, o grupo quer aproveitar as oportunidades de crescimento que surgirão no país na próxima década.