Título: Bachelet recua e pede financiamento externo
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Fonte: O Globo, 05/03/2010, O Mundo, p. 38

Piñera diz que fará "governo da reconstrução". Desiludidos, moradores já cogitam abandonar vilarejos inteiros

SANTIAGO. A presidente do Chile, Michelle Bachelet, visitou ontem áreas castigadas pelo forte terremoto que assolou o país no sábado, afirmando que os efeitos da tragédia consumirão pelo menos três anos do próximo governo, que será iniciado por Sebastián Piñera na próxima quinta-feira. Ao se encaminhar para o fim de sua gestão - que apesar dos 80% de aprovação terminará com o gosto melancólico da destruição - Bachelet voltou atrás e disse que certamente o país precisará de recursos externos para se reconstruir.

- Vamos precisar recorrer, sem dúvidas, a organismos internacionais - afirmou Bachelet. - Esperamos contar com dinheiro suficiente do Banco Mundial e de outras iniciativas. Há uma destruição de infraestrutura, de estradas, temos nas zonas afetadas 29 hospitais muito, muito afetados.

Seu governo havia inicialmente dito que conseguiria dar conta dos gastos com a reconstrução usando orçamento próprio. Mas a equipe parece ter dimensionado mal a escala de danos, que, segundo a estimativa de uma consultoria privada, poderia chegar a US$30 bilhões, ou 15% do PIB, enquanto o governo teria apenas metade disso em reservas.

Mar começa a devolver corpos ao litoral

Embora minas de cobre - o coração da pauta de exportações do país - tenham voltado a operar, estradas, refinarias, usinas siderúrgicas, fábricas de celulose, de alimentos e até as famosas vinícolas do país ficaram danificados.

Piñera, um empresário bilionário que trouxe a direita de volta poder ao país pela primeira vez desde a ditadura de Augusto Pinochet, anunciou ontem o nome de uma equipe técnica, formada basicamente por engenheiros civis e empreiteiros, como os representantes máximos de seu governo para as cinco regiões mais afetadas no país, afirmando que sua gestão será a da reconstrução.

- Nosso futuro governo não vai ser o governo do terremoto, vai ser o governo da reconstrução, e para que esta grande e difícil tarefa tenha êxito vamos necessitar mais do que nunca da unidade de todos os chilenos.

Bachelet afirmou que manterá reuniões com Piñera, pois ainda que mudem as autoridades, "as equipes permanecem", e disse que se inicia hoje o programa "Chile ajuda Chile", que tentará arrecadar US$15 bilhões para o trabalho de reconstrução.

A presidente esteve ontem em Concepción para inspecionar a distribuição de ajuda. Após o fim do toque de recolher, que se mantém por 18 horas por dia, moradores faziam longas filas na frente do supermercado, com um máximo de três sacolas na mão e o equivalente a US$30 no bolso, limite de compras estabelecido para cada pessoa.

Ontem, as equipes de resgate abandonaram as buscas por sobreviventes em algumas áreas do Centro e do Sul do Chile, ao mesmo tempo em que o mar começava a devolver dezenas de cadáveres.

O governo resolveu ser mais cauteloso em relação ao número de mortos. Embora viessem dizendo que o número de vítimas, que estava em 802, devesse crescer, autoridades preferiram não continuar usando um cômputo total, mas anunciar novas listas com nomes já confirmados.

Até ontem, 279 dos mortos haviam sido identificados. E em Maule, a região com mais vítimas, o número de mortos foi reduzido de 587 para 316, com pessoas desaparecidas respondendo pela diferença.

- É claro que só vamos saber a cifra exata depois de termos concluído todos os trabalhos de busca e identificação - afirmou o ministro do Interior, Patricio Rosende.

"Não há nada para reconstruir"

O país voltou a sofrer ontem fortes tremores, e moradores da costa, ainda aterrorizados, se mantinham acampados em áreas de montanha por temor de que tsunamis voltassem a varrer o pouco que sobrou de duas cidades. Um deles teve 6,3 graus na escala Richter e com uma surpresa: o governo afirmou se tratar de um novo tremor, com epicentro na fronteira com a Bolívia, e não uma réplica do terremoto de sábado.

Em Tabul, metade das casas dos 4 mil habitantes desapareceram, e o único plano concebido pela população diante do cenário de destruição era abandonar completamente a cidade. O sentimento era parecido também em outros povoados.

- Não há nada para reconstruir, está tudo destruído - afirmou Sergio Lagomarcino, prefeito de Tubul.