Título: Cerco à especulação nas minas
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 10/03/2010, Economia, p. 21

Governo anuncia novo marco e diz que pode cassar concessões. Segundo Lobão, não haverá "estupro"

Ogoverno anunciou ontem que vai cassar as concessões de quem nãoestiver cumprindo, hoje, as regras de pesquisa e exploração de minas noBrasil. As 150 mil concessões do setor existentes desde 1967 serãovistoriadas pela futura Agência Nacional de Mineração (ANM). A novadiretriz e a proposta de criação do órgão foram anunciadas ontem peloministro de Minas e Energia, Edison Lobão, que também apresentou osprincípios do novo Código Brasileiro de Mineração (CBM). O novo marcoregulatório visa a disciplinar a atividade de mineração, estabelecendoprazos de concessão, e cria o Conselho Nacional de Política Mineral(CNPM).

A pouco mais de duas semanas de sair do ministério para disputar aseleições de outubro, Lobão convocou autoridades do setor, funcionáriosda pasta e a imprensa para explicar os dois projetos que enviará aopresidente Luiz Inácio Lula da Silva. Caberá à Presidência avaliar aproposta e enviá-la ao Congresso. Um terceiro texto, que trata da novadivisão de royalties do setor, ainda está em discussão com o Ministérioda Fazenda e não tem previsão de conclusão.

A principal novidade do CBM será acabar com o que Lobão chama de"farra de especuladores". Segundo ele, ao mesmo tempo em que váriasempresas produzem muito no Brasil - como Vale, Petrobras e AngloAmerican - existe um número ainda desconhecido de "especuladores", queobtiveram concessões de pesquisa, não as levaram adiante e ganharamdinheiro revendendo-as.

- Muitas (concessões) não resultaram em nada e continuam nas mãosde aventureiros. Precisamos pôr fim a esse descalabro - disse Lobão.

Áreas cassadas serão leiloadas

A ideia do governo é, ao criar a nova agência, chamar um por um osconcessionários para verificar a regularidade das concessões. O código,em vigor desde 1967, dá um prazo de até sete anos para pesquisas, masbrechas legais permitem que essa concessão perdure anos a fio. Quem nãoestiver pesquisando ou lavrando nos prazos perderá a concessão. Oministro garantiu que não haverá quebra de contratos nem medidasarbitrárias.

- Às que produzem, meus cumprimentos. Não se vai tomar nada deninguém arbitrariamente. Ninguém vai estuprar ninguém. Vamos seguir asregras - disse o ministro.

As áreas cuja concessão for cassada serão depois leiloadas. Asnovas regras determinam que as concessões só poderão ser dadas apessoas jurídicas. A exceção são as lavras consideradas mais simples,como agregados de construção (areia, brita, argila e cascalho, porexemplo). Todas as concessões devem ser regidas por contratos e vãoestabelecer um prazo de cinco anos (prorrogáveis por mais três) parapesquisa. Já a lavra terá um prazo de 35 anos, com direito a renovação,a critério da ANM. Atualmente, esse prazo não existe.

O governo também cria a figura das Áreas Especiais para MineraisEstratégicos, que serão bloqueadas para serem depois licitadas. Hoje,só há duas áreas com essa destinação no país, ambas concedidas àPetrobras. Entre esses minerais está o fosfato e outros insumos defertilizantes.

A transferência de títulos só será feita mediante aprovação da ANM.Hoje ela é submetida ao governo depois de concluída. Toda a estratégiado setor será estabelecida pelo CNPM, que seguirá os moldes do ConselhoNacional de Política Energética (CNPE), que dá as diretrizes do setorelétrico.

Sem consenso no próprio governo, alguns pontos do novo marco dosetor ficaram para depois. Além da polêmica em torno dos royalties(para aumentá-los é preciso reduzir a carga tributária do setor), estáa criação de uma estatal para coordenar a produção de fertilizantes nopaís. Lobão afirmou que as conversas com o Ministério da Agriculturaprosseguem, mas a criação da estatal ainda não foi fechada:

- É uma hipótese, não uma decisão - disse.

Instituto teme ação "predatória"

Também não foram concluídas as conversas para estabelecer osdetalhes para a criação da agência. Segundo técnicos do Ministério doPlanejamento, elas ainda estão em estágio preliminar. Para poderincluir a agência no projeto do CBM, seria preciso fechar uma propostade criação de cargos e a extinção do Departamento Nacional de ProduçãoMineral (DNPM).

O presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), PauloCamillo Penna, teme que o prazo de 35 anos de exploração seja um tirono pé do governo. Para ele, se uma empresa não tiver a perspectiva derenovação, poderá fazer uma "mineração predatória". Ele disse ainda queo governo não precisaria esperar a criação da ANM para cassar asconcessões de quem não produz. Segundo Camillo Penna, a legislação jápermite isso e só faltaria decisão política para cumpri-la:

- Se houvesse um órgão que aplicasse a legislação existente, não precisaria estabelecer agora.

Por isso, Camillo Penna elogiou a criação da ANM e do conselho edisse que só assim será estabelecida uma política que, segundo o Ibram,inexiste no país. Ele ressalta que o conselho deve ser representativo,tendo membros do setor privado:

- Não basta ter um conselho. O Conama (da área ambiental) tem 107 membros, mas apenas oito representantes do setor privado.

Procurada, a Vale - maior mineradora do país e primeira produtorade minério de ferro do mundo - preferiu não comentar as medidas.