Título: O homem que costura as grandes fusões no país
Autor: Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 07/03/2010, Economia, p. 36

Só em 2009, foram R$ 23 bi em operações, do setor petroquímico ao varejo

SÃO PAULO. O engenheiro Pércio de Souza, 46 anos, passou os últimos dias conversando com corretores de imóveis. Está atrás de mais espaço para a sua Estáter Gestão e Finanças, butique de assessoria financeira que abriu em 2003 com outros três sócios, e que nos últimos dois anos ganhou o status de consultoria mais bem sucedida na área de fusões e aquisições. Só em 2009, a empresa esteve à frente de operações avaliadas em R$ 23 bilhões.

A Estáter já ocupa um andar inteiro em um prédio espelhado na avenida Juscelino Kubitschek, novo centro financeiro de São Paulo. A ideia é fechar o aluguel de mais um andar para ampliar as instalações e dar mais conforto e privacidade aos clientes.

¿ O espaço ficou pequeno ¿ contou ele ao GLOBO.

No nome da empresa, uma referência à Grécia antiga A julgar pelo ritmo de trabalho em janeiro e fevereiro, Souza terá mais um ano de ouro pela frente.

A Estáter ¿ nome retirado de uma das primeiras moedas do mundo, cunhada a ouro na Grécia antiga ¿ coordenou naquele período duas grandes operações: a aquisição da Brenco pela ETH (do grupo Odebrecht) e da Quattor pela Braskem (que passou a ser a maior empresa do setor petroquímico nas Américas).

Os dois negócios foram avaliados em R$ 11 bilhões.

Sem revelar nomes, Souza afirma que sua equipe (são 30 pessoas, mas somente 15, além dos sócios, se envolvem diretamente nas negociações) já avaliam outras quatro possibilidades ¿ completando seis operações no ano, número considerado por ele como ideal para o atual tamanho da empresa.

¿ Temos um índice de sucesso por volta de 75%, que é alto para esse tipo de transação ¿ disse ele, executivo egresso do antigo banco BBA.

Oficialmente, Souza e os sócios têm o mesmo cargo: o de sócios-gestores. Eles costumam se revezar nas seis salas de reuniões espalhadas pelo andar, onde as negociações são feitas.

¿ Temos uma estrutura desverticalizada.

Não sou presidente da Estáter. Aqui, não temos chefes, não temos hierarquia, temos gestores, que determinam as regras e cobram as pessoas.

Mas não significa que vivemos numa anarquia.

E essas regras podem valer até mesmo para os clientes. Souza diz que prefere que as reuniões sejam realizadas na própria Estáter.

Como o tempo é um fator crítico em operações que envolvem milhões de reais, ele sabe que a vida seria mais difícil se tivesse de enfrentar a toda hora o caótico trânsito paulistano.

¿ Não é uma estratégia negocial, mas uma forma prática para gerir o negócio.

No mercado, ele ganhou a fama de agressivo ¿ que na avaliação de alguns poderia ser também autoritário. Souza prefere dizer que é ¿assertivo desde criança¿, um efeito colateral de uma ¿obstinação¿ quase patológica de concluir os negócios.

¿ Essa obstinação é um dos fatores de nosso sucesso ¿ diz, lembrando que muitas vezes é necessário ¿dar cotoveladas¿ para que o negócio ande.

Desde que abriu as portas, a Estáter ganhou 28 contratos, dos quais 19 resultaram em negócios.

Para o economista Júlio César Gomes de Almeida, da Unicamp, a Estáter aproveitou as oportunidades geradas pela crise financeira global que acabou ajudando os grandes grupos nacionais a se juntarem para competir no mercado global. Ele frisa ainda que esse movimento, que começou antes dos primeiros sinais da crise, mas foi potencializado por ela, também mostra a força das companhias brasileiras que estão aproveitando para se internacionalizar.

¿ Esse processo não aconteceria se não houvesse um grande grupo varejista como o Pão de Açúcar, ou uma Braskem, do setor petroquímico ¿ salientou Almeida.

Metódico, até os fins de semana são dedicados ao trabalho.

Mas há tempo também para os prazeres da vida, como a atividade física, e da família. Corre de seis a dez quilômetros duas vezes por semana, mesma frequência com que joga tênis e faz musculação. Os filhos e a mulher também não perderam espaço, apesar da agenda apertada. Ele diz que não abre mão de buscar os filhos na escola (¿pelo menos três vezes por semana¿) e almoçar alguns dias com a família (¿moro pertinho do escritório e faço tudo a pé¿). A família Souza ganhou recentemente mais um membro: há pouco mais de um mês, nasceu o terceiro filho, desta vez uma menina.

¿ Em sete anos, fiquei pela primeira vez sem trabalhar durante quatro dias para ficar com o bebezinho ¿ contou, lembrando que o trabalho só rende com ¿o equilíbrio do bem estar físico, familiar e do trabalho¿.

Consultor rejeita rótulo de `banqueiro de Diniz¿ Sobre a amizade com Abílio Diniz, dono do grupo Pão de Açúcar, diz que tem uma grande admiração pelo empresário, hoje o ¿rei do varejo¿ brasileiro, e que aprendeu muito com ele.

Souza revela que Diniz não gosta da pecha que ganhou no mercado, que o chama de ¿banqueiro do Diniz¿. O apelido foi cunhado na década de 1990, quando atendia o Pão de Açúcar pelo antigo banco BBA. Apesar do apelido, Diniz considera o amigo ¿um cara extremamente competente e agressivo¿.

¿ Ele mete a cara. Usando a linguagem do futebol, Souza é um cara como eu que muitas vezes chama o jogo para si ¿ elogiou o empresário.

No ano passado, Souza esteve à frente das negociações do Pão de Açúcar. Primeiro, na incorporação do Ponto Frio e, depois, na surpreendente fusão do grupo de Diniz com a Casas Bahia. Além desses dois negócios, a Estáter também articulou a união da Votorantim com a Aracruz, que formou a Fibria, e a incorporação da Tenda pela Gafisa.

Apesar do sucesso, Souza admite que, em alguns momentos, é preciso ¿patrolar¿ (atropelar) para que o negócio deslanche.