Título: FMI tenta se reinventar no pós-crise
Autor: Oswald, Vivian; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 08/03/2010, Economia, p. 27

Fundo revê controle de capital e meta de inflação. Peso dos emergentes crescerá

A devastação que a crise financeira global provocou principalmente nas economias mais ricas do mundo - tidas como modelos de estabilidade a serem seguidos - obrigou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a rever velhos conceitos. O conjunto de ideias defendidas com unhas e dentes pelo Fundo ao longo dos anos - e o Brasil sofreu isso na pele durante as sucessivas crises por que atravessou - parece ter caído por terra. Dois estudos foram divulgados este ano por funcionários do FMI, provando que a instituição está mudando.

No documento "Rethinking macroecnomic policy" (Repensando a política macroeconômica), o economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard, afirma que países desenvolvidos limitaram as opções para lidar com a crise ao se preocuparem em manter metas de inflação baixas. Dias antes, outro estudo reconhecia o sucesso do controle do fluxo de capitais em diversas situações. O Fundo sempre advogou pelo sistema rígido de metas de inflação e contra qualquer tipo de controle de capital.

Para o ex-ministro da Fazenda Marcilio Marques Moreira, o FMI está tentando se reinventar e tateando o melhor caminho:

- A declaração de Blanchard de aumentar as metas de inflação são meio esdrúxulas. O FMI era considerado muito durão e agora está sendo mais flexível. Não chega a ser uma heterodoxia. O Fundo pode continuar sendo importante, mas tem que ser feita uma reengenharia na filosofia.

Até janeiro de 2011, também deve ser concluída uma reforma do sistema de cotas e votação do Fundo. Integrantes do governo afirmam que esta é uma prioridade do Brasil em 2010 e vão levar a preocupação para as duas cúpulas do G-20 previstas para este ano. A ideia é garantir aos países emergentes mais peso nas decisões. Uma primeira fase da reforma concluída em 2008 já aumentou a participação brasileira.

- Antes de o Fundo ter um novo papel no contexto global, é preciso que os processos decisórios evoluam - disse um técnico do governo.

O FMI não teve como evitar a crise, nem como dar a ajuda necessária para que seus membros saíssem do lamaçal em que se meteram. Governos desembolsaram bilhões de dólares para tentar manter o sistema produtivo funcionando. Rescaldos do terremoto econômico ainda estão sendo sentidos na União Europeia (UE), com a deterioração da situação fiscal dos chamados Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha).

A Grécia acaba de anunciar um pacote de austeridade e deu a entender que pode até usar recursos do Fundo. Mas os países europeus resistem à ideia. A Comissão Europeia já anunciou que pretende ajudar. Os países da zona do euro, entre os quais a Grécia, querem resolver o problema entre eles.

Para especialistas, a resistência europeia a recorrer ao FMI se deve ao temor de que isso seja visto pelo mercado como a perda de credibilidade do euro. Estes países não têm autonomia para recorrer ao Fundo individualmente.

Ajuda agora é para economias menores

Para o embaixador da Delegação Europeia no Brasil, João Pacheco, a zona do euro é desenvolvida e não precisa dos recursos do Fundo, que devem ser destinados aos países em desenvolvimento. Ele garantiu que não há preconceito em relação ao Fundo.

- Se o FMI interviesse na Grécia, ia fortalecer o euro. Mas o dinheiro que está lá é para os países em desenvolvimento - disse Pacheco.

O embaixador destacou que a UE é totalmente favorável à nova distribuição das cotas, desde que haja um aumento de capital no Fundo:

- Não se pode mudar o peso dos países sem mudar os aportes. Tem mais peso quem pôs mais dinheiro.

Para o ex-diretor do Banco Central e economista Carlos Eduardo de Freitas, a estrutura do Fundo foi feita para atender às demandas das economias dominantes. No entanto, foram essas economias as mais atingidas pela crise recente. Por isso, elas agora rejeitam o receituário:

- A antiga estrutura está abalada e o Fundo está um pouco perdido. Ele foi criado dentro de uma hegemonia anglo-saxã que está enfraquecida. O FMI agora tem mais condições de ajudar pequenas economias como as da América Central, África e Ucrânia. Na zona do euro, quem vai acabar ajudando os países a se reerguerem serão economias como a Alemanha e a França. Eles são até capazes de criar um FMI local.

Para Marcilio, o que está acontecendo na Europa evidencia que não pode haver descompasso entre política monetária e fiscal:

- O que está acontecendo pode ser visto como um sinal amarelo ficando vermelho na UE. No Brasil, ainda é um sinal amarelo clarinho. Mas é bom que se atente para o fato de que não pode haver diferenças entre o presidente do BC e o ministro da Fazenda.