Título: Comparações
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 12/03/2010, O País, p. 4

O presidente Lula alardeia sempre que pode que quer fazer umacampanha sucessória plebiscitária, na qual o povo poderá escolher entre"eles" e "nós", referindo-se ao seu antecessor, o ex-presidenteFernando Henrique Cardoso.

Mas, se a análise histórica for menos imediatista, o seu mandatoaté o momento sai-se muito mal na foto no que se refere ao crescimentodo PIB, a despeito do alto conceito que Lula tem a respeito de sipróprio e de seu governo.

O professor titular de economia da Universidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ) Reinaldo Gonçalves fez um estudo sobre a evolução darenda no Brasil segundo o mandato presidencial, mostrando a performanceda economia brasileira em 120 anos de História da República (1890 a2009), com comparações não apenas a nível interno, entre os períodos,como também em relação à participação na economia mundial.

Em ambos os critérios, o governo Lula pode ser consideradomedíocre. A taxa média de crescimento real do PIB brasileiro é, nesseperíodo, de 4,5%, e a taxa do governo Lula é de 3,6%, ficando em 21ºlugar entre 29 governos.

Mesmo que em relação ao governo de seu arquiadversário ocrescimento tenha melhorado - o governo Fernando Henrique teve umamédia de crescimento do PIB de 2,29% -, a participação média do PIB doBrasil no PIB mundial caiu de 2,93% no governo FHC para 2,74% nogoverno Lula.

Segundo o trabalho do professor Reinaldo Gonçalves, no conjunto de29 mandatos, o governo Lula (2003-09) tem até o momento a nona taxamais baixa de crescimento econômico.

O fraco desempenho do governo Lula implica que o país precisaria de20 anos para duplicar o seu PIB, quando a taxa secular é de duplicaçãodo PIB em 16 anos.

No período 1890-2009, a economia mundial cresceu à taxa média anualde 3,14%, o que significa que, ao longo do período analisado, o Brasiltem conseguido avançar no processo de desenvolvimento econômico, comtendência de crescente participação na economia mundial.

Entretanto, Gonçalves ressalta que este processo somente começounos anos 1920 devido ao fraco desempenho e à instabilidade da economiabrasileira no período que vai da proclamação da República até opós-Primeira Grande Guerra. O "salto quântico" de desenvolvimento, deacordo com o professor, é dado pelo presidente Getulio Vargas noentreguerras.

"No período de praticamente meio século que vai de 1930 até 1979, aeconomia brasileira apresenta taxas de crescimento econômico de longoprazo significativamente elevadas", destaca Reinaldo Gonçalves.

De fato, o país já teve períodos de crescimento de níveisasiáticos: de 1950 a 1959, média de 7,15%; de 1960 a 1969, média de6,12%; e de 1970 a 1979, de 8,78%.

O maior crescimento do PIB foi de 13,97% em 1973, no auge do"milagre econômico", mas taxas de dois dígitos são exceções,aconteceram somente em seis anos.

O resultado, afirma Reinaldo Gonçalves, é que a participação dopaís no PIB mundial aumentou de menos de 1% no final dos anos 1920 para3,6% em 1980.

Nos últimos 30 anos, no entanto, a economia brasileira tem tido umdesempenho relativamente fraco em comparação com o conjunto da economiamundial e, principalmente, com o subconjunto de países emdesenvolvimento. De 1990 a 2003, o crescimento médio foi de 1,8%; de 80a 2003, 2%.

Restringindo a análise ao primeiro conjunto, Reinaldo Gonçalvesobserva "clara tendência" de queda da participação brasileira no PIBmundial a partir de 1980.

Em 2002, esta participação era de 2,81% e, em 2009, era de 2,79%,"próxima daquela observada quase quarenta anos antes, no início dosanos 1970, ressalta Reinaldo Gonçalves.

Na análise do professor de economia da UFRJ, o governo Luiz InácioLula da Silva se beneficiou de uma conjuntura extraordinariamentefavorável no período de 2003 até meados de 2008, mas o fato é que acrise global teve forte impacto sobre a economia brasileira (queda doPIB de 0,2% em 2009 anunciada ontem), em que pese o discurso do governo"completamente descolado da realidade".

Gonçalves tem uma visão crítica da atuação do governo na crise,atribuindo o PIB negativo a "erros de política de ajuste", como ainstabilidade e o nível da taxa de câmbio, nível da taxa de juros eregressividade do estímulo fiscal.

"Ao fim e ao cabo, a evidência mostra que o desempenho da economiabrasileira no período 2003-09 é medíocre pelos padrões históricosbrasileiros e pelos padrões internacionais", sintetiza.

O professor ressalta que no governo Lula "continua ocorrendo oprocesso de perda de posição relativa do país na economia mundial".

Comparativamente ao final do governo Fernando Henrique Cardoso, naopinião de Gonçalves, o governo Lula tem desempenho "igualmentemedíocre".

Em 2002, último ano do segundo mandato de Fernando Henrique, aparticipação do Brasil no PIB mundial foi de 2,81%, e, em 2009, aparticipação brasileira ficou em 2,79%.

O professor Reinaldo Gonçalves atribui à "similaridade de modelosde desenvolvimento e de políticas econômicas" o fraco desempenho dosgovernos FHC e Lula.