Título: A nova fronteira humanitária
Autor: Ramirez, Andres
Fonte: O Globo, 12/03/2010, Opinião, p. 7

Aurbanização é umatendência global irreversível. Em 1950, menos de 30% da populaçãomundial viviam em cidades. Atualmente, este percentual é maior que 50%e pode chegar a 60% nos próximos vinte anos. Esta dinâmica impacta arealidade do refúgio e dos deslocamentos forçados. Hoje, quase a metadedos 10,5 milhões de refugiados e deslocados atendidos pelo AltoComissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no mundo vive emcidades. Um terço segue em acampamentos precários, e o restante está emzonas rurais.

Os refugiados e deslocados que vivem nas cidades buscam umaoportunidade que muitas vezes não encontram em um acampamento:reconstruir suas vidas com dignidade e segurança. Entretanto, competemcom a população carente por serviços básicos e empregos informais,enfrentando situações que tornam precária sua proteção, como falta dedocumentos, relações de trabalho desiguais, exploração sexual edetenções arbitrárias.

Mas não importa se essas pessoas estão em acampamentos ou nascidades. Eles têm os mesmos direitos, e as cidades vão se tornando umespaço legítimo para que refugiados e deslocados os exerçam plenamente.Esta realidade é particularmente relevante para a América Latina e,especialmente, para o Brasil, onde todos os cerca de 4.200 refugiadosque vivem no país estão em cidades de pequeno, médio e grande portes(cerca de 2 mil vivem no Rio).

Com base neste cenário, o Acnur formulou uma nova política deproteção para refugiados em áreas urbanas. A experiência do AltoComissariado em cidades não é nova. A novidade é o reconhecimento deque as cidades estão sendo - e continuarão sendo - a nova fronteira daresposta humanitária.

Esta nova política de proteção e soluções duradouras enfatiza queos princípios e as respostas humanitárias não podem ser prejudicadospela localização dos refugiados. As cidades, constantemente afetadaspor desastres naturais, vão se tornando a linha de frente para recebere abrigar refugiados, deslocados internos e outros grupos de interessedo Acnur. Sua nova política pretende maximizar os espaços de proteçãopara estas populações e fortalecer as organizações que as apoiam. Elase subordina às leis nacionais e se soma às estruturas nacionais, leise procedimentos.

A América Latina acumula uma rica experiência de proteção emcontextos urbanos, resultado dos históricos fluxos de refugiados àscidades, que há muitos anos abrigam mais gente que as zonas rurais.Esta experiência foi recolhida e sintetizada no marco do Plano de Açãodo México, assinado em 2004 por 20 países latino-americanos (inclusiveo Brasil) para fortalecer a proteção aos refugiados na região. Um dosconceitos desenvolvidos é o das "Cidades Solidárias", que estimula aautossuficiência e a integração de refugiados em espaços urbanos.

O Brasil exerce uma liderança regional na proteção dos refugiados,emerge como um ator global importante e está preparado para responderao desafio do refúgio urbano. Com políticas públicas abrangentes e umasociedade civil organizada, o país pode maximizar os espaços deproteção para as pessoas que foram obrigadas a abandonar seus paísesdevido a perseguições e violações dos direitos humanos.

O fato de que 100% dos refugiados no Brasil vivem em cidades dá umaboa dimensão da experiência já acumulada pelo país, tanto o Estado comoa sociedade civil e o próprio Acnur. Avançar neste terreno significa,entre outras coisas, melhorar a recepção destas pessoas e suadocumentação, construir alianças, promover a autossustentabilidade eassegurar o acesso a educação, saúde e habitação.

Trata-se de um desafio de todos, e o Acnur está pronto para apoiaras autoridades nacionais, estaduais e municipais na proteção eassistência dos refugiados, deslocados e seus familiares.

ANDRES RAMIREZ é representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil.