Título: A recessão da marolinha
Autor: Almeida, Cássia; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 12/03/2010, Economia, p. 25

A CONTA DA CRISE

Abalo global faz PIB cair 0,2% em 2009, no 1º recuo desde 92. Mas economia tem forte alta no último tri

Cássia Almeida, Henrique Gomes Batista, Fabiana Ribeiro e Mariana Schreiber

Aeconomia andou para trás em 2009. Mas o reflexo aqui da pior crisemundial desde o colapso de 1929 foi bem menor que o esperado. A quedade 0,2% frente a 2008, quando o país crescera 5,1%, conforme divulgouontem o IBGE, foi até considerada um bom resultado diante das previsõesdo início de 2009, de retração de até 3% do Produto Interno Bruto (PIB,conjunto de bens e serviços produzidos pelo país). Pouco antes, no fimde 2008, auge das turbulências globais, o presidente Lula afirmara quea crise, se chegasse ao Brasil, seria "uma marolinha". Mas o resultadodo PIB de 2009 foi o primeiro negativo desde 1992, último ano dogoverno Collor.

Ficou em R$3,143 trilhões o tamanho da economia brasileira. A rendaper capita, o valor total da economia dividida pela população caiu1,2%, para R$16.414, na primeira retração desde 2003.

Apesar de soma de bens e serviços ter caído no ano, no quartotrimestre o país já estava crescendo a pleno vapor. A alta foi de 2%frente ao terceiro trimestre, o que indica expansão anualizada de 8,2%.Contra o mesmo trimestre de 2008, a alta foi de 4,3%.

- Considerando a dimensão da crise mundial, esse desempenho não é,de todo, uma má notícia. No quarto trimestre de 2009, a economia jásuperava em 0,7% o nível registrado no terceiro trimestre de 2008 (antes dos efeitos da crise global), constituindo-se assim em novopatamar máximo de produção - afirmou Silvio Sales, economista daFundação Getulio Vargas (FGV)

Mesmo com a estagnação vivida em 2009, as famílias brasileirassentiram pouco a crise, comparando com outros momentos da históriarecente, de acordo com os números das contas nacionais. O consumo dasfamílias avançou 4,1% no ano, depois de já ter subido 7% em 2008, nasexta alta seguida. E os serviços, que representam quase 70% daeconomia, cresceram 2,6%.

- O crescimento do consumo das famílias foi impulsionado pelaexpansão da massa salarial e também pelo aumento do crédito. Alémdisso, as desonerações feitas pelo governo (em eletrodomésticos, emmateriais de construção e em automóveis) e a atuação dos bancospúblicos ajudaram - disse a gerente de contas trimestrais do IBGE,Rebeca Palis.

A explicação para o ano perdido veio da indústria. A atividaderecuou 5,5%, numa queda que não era vista desde 1990, ano do confiscodo Plano Collor. Na agricultura, outro dado negativo. As chuvasagravaram a situação do campo, que já sofria com a queda dasexportações com crise mundial, fazendo a produção do setor cair 5,2%, opior resultado desde 1986.

Na conta dos investimentos, a retração também foi a maior em 19anos. O recuo chegou 9,9%. Mas, assim como puxou a economia para baixono ano, o investimento levantou o país no último trimestre. A expansãode 6,6% frente ao terceiro trimestre é a maior desde o quarto trimestrede 2005, lembra o economista Paulo Levy, do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea):

- E é bem mais alta do que a observada no ciclo recente de expansão entre 2006 e 2008.

Na indústria, o mesmo movimento. O crescimento frente ao terceirotrimestre foi de 4%, indicando recuperação forte, que rebateu no restoda economia, fazendo o PIB avançar 2%. Embalado no bom ritmo dosúltimos meses de 2009, o país deve crescer 6% este ano, preveemanalistas.

Outro movimento na economia brasileira que foi diferente do que sevia até 2008 foi a contribuição da demanda externa (exportações menosimportações). Ela foi positiva pela primeira vez desde 2003. Sem isso,o PIB teria caído 0,3%. Assim, a demanda interna ficou negativa devidoprincipalmente a um acúmulo de estoques no fim de 2008. Sem essesestoques, o PIB poderia ter crescido mais de 1%.

Entre os setores econômicos, a intermediação financeira ocupou oprimeiro lugar entre as maiores altas. Subiu 6,5%. Rebeca, do IBGE,explica que o corte na taxa básica de juros em 2009, que baixou de13,7% ao ano para 8,75%, foi um dos principais responsáveis pelo bomresultado. Além disso, afirma, o setor de seguros, que está nesse grupode atividade, manteve-se em alta mesmo durante a crise.

A queda de 0,2% do PIB em 2009 não fez o Brasil perder posições noranking das maiores economias mundiais. O país permaneceu como a nonaeconomia do mundo no ano passado.