Título: Royalties: Planalto pode retomar texto original
Autor: Paul, Gustavo; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 12/03/2010, Economia, p. 32

MP seria editada com veto à emenda Ibsen. Segundo Cabral, com perdas do Rio, "esquece Olimpíadas, esquece Copa, esquece tudo"

Gustavo Paul, Cristiane Jungblut, Luiza Damé e Bruno Rosa

BRASÍLIA, RIO e RECIFE. Na ressaca da derrota na Câmara, o governocomeça a discutir a possibilidade de editar uma medida provisória (MP)retornando à divisão de royalties acertada pelo relator do projeto departilha, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que preserva a receita dosestados produtores na área do pós-sal e dá mais recursos para estados emunicípios não produtores no pré-sal. Essa MP seria editada ao mesmotempo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar a emendaIbsen - que revê a atual distribuição de participações governamentaisde petróleo e retira R$7 bilhões da receita do Estado do Rio.

Ao falar da emenda Ibsen, durante a abertura do ano letivo daPUC-RJ, o governador do Rio, Sérgio Cabral, chorou. Mesmo assim, ele ePaulo Hartung, governador do Espírito Santo, estão confiantes de queLula vetará a proposta. Cabral chegou a afirmar que a perda dessesrecursos fará o estado fechar:

- Esquece Olimpíadas, esquece Copa, esquece tudo.

O veto, prometido publicamente pelo líder do governo na Câmara,Cândido Vaccarezza (PT-SP), ocorrerá caso não vinguem as mudanças aserem negociadas no Senado. Outra alternativa é o Judiciário derrubar atramitação da emenda, sob argumento de inconstitucionalidade. A bancadafluminense argumenta - inclusive em uma ação direta deinconstitucionalidade (Adin) que já tramita no Supremo Tribunal Federal(STF) - que os artigos 20 e 60 da Constituição impediriam a redução dosvalores que o Rio, maior produtor de petróleo do Brasil, recebeatualmente. Cabral também conta com o STF.

- O veto virá acompanhado de alguma medida para preencher um vácuojurídico e contornar o desgaste político. Isso está sendo conversado -diz o líder do PT, deputado Fernando Ferro (PE), que votou a favor daemenda Ibsen.

Posição oficial é estimular acerto político no Senado

Oficialmente, porém, o governo federal não fala de veto e prefereincentivar publicamente o entendimento político. Para disfarçar o gostoda derrota, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha,disse ontem que as teses governistas foram vitoriosas. Segundo ele, ogoverno vai pedir urgência constitucional para a tramitação do projetono Senado, que dá prazo de até 45 dias para a apreciação dos projetos.O governo espera que os senadores resolvam o conflito da divisão dosroyalties.

- Não trabalho com se. O presidente Lula só toma decisões quando oprojeto vem para sua mesa. O projeto original do governo não tratavados royalties. Vamos fazer um debate para recuperar isso (propostaoriginal) dentro do Senado - disse Padilha, acrescentando que o Senadovai construir "uma solução mais adequada" para o conflito entre osestados.

Depois de uma reunião no Planalto, o líder do governo no Senado,Romero Jucá (PMDB-RR), disse que Lula está preocupado com a aprovaçãoda emenda Ibsen. Apesar do discurso de que todos os projetos serãovotados, a ordem do Planalto é dar prioridade a dois: o que permite acapitalização da Petrobras e o que institui o modelo de partilha daprodução, com as principais diretrizes do marco regulatório.

Dentro dessa estratégia, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ)começou as conversas com Jucá e o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL),para tentar modificar as alterações na distribuição de royalties.

- É uma emenda inconcebível, imoral. No Senado podemos fazer tudonos projetos. Vamos apelar para a manutenção do equilíbrio federativo -disse Dornelles.

Mas o governo terá de contornar as resistências da oposição: o DEManunciou que fará obstrução se o governo insistir na urgênciaconstitucional.

- Se o governo insistir, vamos caminhar para a obstrução. Aceitamosdiscutir uma metodologia, mas sem prazo - disse o líder do DEM, JoséAgripino (RN).

Vaccarezza admite a dificuldade em concluir a votação antes daseleições, já que os projetos voltarão à Câmara se forem modificados noSenado.

Durante seu discurso, Cabral tirou o lenço do bolso e enxugou osolhos úmidos. Ele chegou a classificar a votação na Câmara delinchamento:

- É é a maior leviandade que a Câmara dos Deputados fez na suahistória, desde a Proclamação da República. Tenho certeza que opresidente Lula veta essa barbaridade.

Hartung, que já esperava a derrota, disse que a estratégia agora émostrar à sociedade que a emenda "é uma violência, pois fere aConstituição e o regimento interno da Casa". Ele ressaltou que osestados produtores querem apenas um tratamento diferenciado devido aoimpacto ambiental da exploração do petróleo.

- Não somos contra o Brasil partilhar essa riqueza. Mas não se pode quebrar os atuais contratos. É uma violência.

O secretário de Fazenda do Estado do Rio, Joaquim Levy, ressaltouque o dinheiro extra da emenda é insuficiente para mudar a situação dosmunicípios e estados que passarão a partilhar os novos recursos:

- Os estados e municípios do país recebem hoje mais de R$100bilhões de transferências federais com base no Imposto de Renda. Pelasnovas regras, teriam um adicional de pouco mais de R$4 bilhões dopetróleo, um aumento totalmente marginal.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, chamou a decisão dos parlamentares de estapafúrdia.

Já o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que lutou pelamudança nos royalties, admitiu que o Rio não pode arcar com a perda dereceita, mas disse que não se corrige uma injustiça com outra:

- Muitos exageros ocorreram nesse debate, marcado pelaradicalização. Acredito que, no Senado, vai se tentar construir umavisão de maior equilíbrio.

COLABOROU Letícia Lins