Título: Pacote antiapagão aéreo
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 13/03/2010, Economia, p. 29

Três anos após caos no setor, governo encaminha projeto de lei que indeniza consumidor

Mais de três anos depois da crise aérea que paralisou os céus do Brasil e causou prejuízos incontáveis aos brasileiros que ficaram em terra, o governo enviou ontem ao Congresso Nacional um projeto de lei que institui uma indenização a ser paga pelas companhias aéreas aos usuários em casos de cancelamento, atraso de voos superior a duas horas e overbooking (venda de passagens acima da quantidade de assentos disponíveis na aeronave). O valor será equivalente a 50% do preço integral do bilhete e terá de ser pago em dinheiro, cheque ou transferência bancária, até sete dias do comunicado. A medida abrange ainda problemas ocorridos nas escalas e conexões.

O projeto disciplina ainda quais compensações devem ser oferecidas ao passageiro submetido a problemas no embarque, bem como que tipo de assistência a que ele e os acompanhantes têm direito quando houver alterações no voo. A empresa que descumprir as premissas estará sujeita a multas e até cassação da outorga (autorização de operação) pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

A indenização, inédita, só não será paga se a empresa der ao passageiro alternativas de transporte que lhes sejam convenientes e ele conseguir embarcar duas horas antes do horário previsto originalmente e chegar no destino até duas horas depois do pouso original. Também não será devida se a empresa comprovar que avisou o cliente sobre o cancelamento do voo com antecedência de sete dias.

Companhia deverá oferecer opções

A proposta prevê que, em caso de problemas com o voo, a companhia ofereça ao usuário alternativas, como embarque em outro voo da mesma companhia ou de uma concorrente ou um meio de transporte alternativo - ônibus, por exemplo. Caso o passageiro seja embarcado num próximo voo, a empresa não poderá cobrar diferença de preço se ele viajar numa classe superior e deve reembolsá-lo se o assento for em uma inferior. No caso de cancelamento do voo, está garantido o reembolso integral do valor da passagem ou o estorno imediato das parcelas se a compra foi feita via cartão de crédito. Se o passageiro estava no meio da viagem, terá direito ainda ao transporte de volta à origem.

A proposta determina também que no caso de atrasos de voo superiores a duas horas, as companhias são obrigadas a oferecer aos clientes alimentação, cartão telefônico, internet e acomodação.

Setor diz que projeto contém absurdos

O projeto de lei altera o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer), editado em 1986, que trata os direitos dos usuários de forma genérica. Diz apenas que o passageiro tem direito ao reembolso quando o voo for cancelado, mas em caso de atraso superior a quatro horas.

Hoje, o usuário precisa recorrer aos órgãos de defesa do consumidor e à Justiça se quiser ser ressarcido por problemas no voo. A Anac dispõe apenas de uma norma que trata da assistência ao usuário. Em caso de descumprimento, as companhias estão sujeitas a multa. Em 2009, o órgão arrecadou cerca de R$7,2 milhões em multas às companhias e fez 4.918 novas autuações por infrações registradas.

O Sindicato Nacional da Empresas Aéreas (Snea) disse que o setor não foi ouvido pelo governo na elaboração do projeto. A entidade afirmou ainda que o setor foi pego de surpresa e que vai atuar no Congresso para fixar critérios de culpabilidade por atraso e cancelamento de voo de cada órgão envolvido, como Infraero e Aeronáutica, além das próprias empresas.

Para uma fonte do setor privado, o projeto contém "absurdos", como o pagamento da indenização de 50% em até sete dias, bem como a determinação às empresas, uma vez notificadas pelo órgão regulador, de reserva de 5% de assentos para transportar passageiros de empresas de transporte aéreo regular que venham a paralisar suas operações.

O setor também critica a obrigatoriedade de as empresas informarem aos passageiros as regras do contrato. Isso já vem sendo feito, argumenta uma fonte. Outra ressalva se refere à obrigatoriedade de as companhias prestarem informações precisas e em meio impresso sobre as causas do cancelamento ou atraso e a previsão de embarque.

O governo elabora ainda um decreto dando à Infraero autoridade aeroportuária para coordenar todos os órgãos que atuam nos 67 aeroportos mais movimentados do país, como Receita Federal, Polícia Federal e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além da Anac.