Título: Este não é o Brasil que Lula apresenta para o mundo
Autor:
Fonte: O Globo, 14/03/2010, O País, p. 13

Diretor do Greenpeace diz que viu realidade de apartheid na Amazônia

ENTREVISTA Kumi Naidoo

Recém-empossado diretor-executivo do Greenpeace internacional, o sul-africano Kumi Naidoo veio ao Brasil cobrar dos três principais pré-candidatos à presidência um plano para que o país cumpra o que assumiu na conferência do clima em Copenhague. Kumi manifestou preocupação quanto à possibilidade de o Congresso alterar o código florestal brasileiro, tido como uma das legislações mais modernas em termos de proteção.

Catarina Alencastro

O GLOBO: O que o senhor veio fazer no Brasil? KUMI NAIDOO: Ver o plano do Brasil para cumprir as metas com que se comprometeu (de reduzir emissões de CO2 em até 38,9% com relação ao projetado para 2020) e trazer uma mensagem de encorajamento e urgência, particularmente aos políticos do Brasil, que têm o poder de fazer as coisas andarem. Se até 2015 as emissões globais não atingirem seu pico e começarem a baixar, os cientistas têm nos dito que o nível de catástrofe vai atingir nível maior. A história vai nos julgar sem piedade, se a gente não responder ao desafio que temos pela frente.

Quais são os desafios do Brasil na área ambiental? KUMI: O Brasil tem leis muito boas, a dificuldade é implementálas. É péssimo você ter boas leis e má implementação porque é quase a ausência de leis.

Como foi o encontro com a ministra Dilma? KUMI: Ela fez uma análise bem razoável do que aconteceu em Copenhague, não foi distante da nossa. Nós a pressionamos com relação ao código florestal e ela concordou conosco em que o código não pode ser enfraquecido e que se o desmatamento continuar na Amazônia isso será ruim para o Brasil. Mas a gente tem sempre que ver o que é dito e o que é feito. Eu quero acreditar que ela seguirá o que disse. Pareceu sincera e se demonstrou entusiasmada com as questões que a gente colocou. Vamos torcer para que essas questões sejam realmente levadas para o debate eleitoral.

O senhor também esteve com o governador José Serra e com a senadora Marina Silva? KUMI: O governador Serra disse que quer transformar São Paulo em um laboratório para enfrentar as mudanças climáticas. Ele disse que o estado terá o primeiro fundo para financiar a adaptação de pequenas e médias empresas.

E a senadora Marina Silva, o que disse? KUMI: Todos os três candidatos concordaram com a necessidade de acabar com o desmatamento, de que a Amazônia em pé tem um valor maior para o Brasil do que destruída e que o código florestal tem que ser defendido. Nós temos dito para países como a República Democrática do Congo e Indonésia, que têm florestas enormes, que eles têm que fazer o que o Brasil fez. E de repente alguns interesses no Congresso brasileiro enfraquecem o código florestal? Isso mina o exemplo internacional que o Brasil pode dar.

O que é feito aqui deve ser copiado por outros emergentes? KUMI: O Brasil tem recursos abundantes para virar o principal país do mundo em tecnologia verde. Tem mais potencial do que qualquer outro que conheço. O Brasil pode virar um exportador de tecnologia solar, eólica. É o país com as melhores oportunidades de transformar essa crise global em oportunidade.

O senhor também esteve na Amazônia? KUMI: Eu estive na Amazônia durante uma semana. Eu vi o bom, o ruim e o horrível. Passei por Manaus, passei um dia nos arredores e é lindo, maravilhosamente biodiverso e te faz lembrar que temos que proteger este lugar, mas o ruim da Amazônia é muito, muito ruim.

Como assim? KUMI: A gente viu áreas de mineração, criações de gado. É assustador ver pequenas quantidades de gado numa área enorme de pastagem, solto ali só porque tem água, pasto e é barato largá-lo ali. Vimos vários tipos de trabalho análogo à escravidão. Conheci uma freira que foi atacada muitas vezes, sua sobrinha foi assassinada. Este não é o Brasil que o presidente Lula apresenta para o mundo. Esta é uma realidade de apartheid, na qual pessoas são assassinadas por lutarem por justiça.