Título: Chocados, dissidentes veem presidente como cúmplice
Autor: Lages, Christine ; Guedes, Luisa
Fonte: O Globo, 11/03/2010, O Mundo, p. 25

Para eles, Lula vira as costas ao movimento pró-democracia

Dissidentes do regime cubano ouvidos pelo GLOBO reagiram com espanto e revolta às declarações segundo eles lamentáveis dadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defendendo o sistema judicial do país e comparando presos políticos a bandidos comuns. O porta-voz da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN), Elizardo Sanchez, está surpreso com o grau de cumplicidade ao qual o presidente do Brasil chegou com o regime totalitário dos irmãos Castro, ao ponto de faltar com o respeito e ofender o movimento de direitos humanos e pró-democracia de Cuba.

Nenhum outro estadista da América Latina nem da Europa foi capaz de fazer declarações como essas. Logo Lula, um ex-líder operário, um ex-perseguido político, que visita constantemente nosso país: nunca disse uma palavra para perguntar por que os trabalhadores cubanos estão submetidos a um grau tão alto de exploração e por que os trabalhadores não têm direito de organizar sindicatos independentes cobrou Sanchez.

Manuel Cuesta Morúa, da organização Arco Progressista, disse que declarações como as do presidente só deixam os dissidentes cubanos mais isolados. Segundo ele, como chefe de Estado, Lula cumpre o seu papel de manter boas relações com o governo de Cuba.

Mas ele poderia ouvir os dois lados, para ter uma ideia melhor do que acontece aqui. Chamamos Lula para o diálogo, enviamos cartas para ele, e ele nos ignora. Acho isso uma atitude equivocada e que não condiz com seu papel de principal líder da América Latina. Um grande líder não vira as costas para violações aos direitos humanos como as que sofremos atualmente em Cuba criticou.

Morúa lembra que, enquanto Lula diz que não pode contestar a Justiça de um outro país, já o fez recentemente em pelo menos duas situações: opondo-se à extradição de Cesare Battisti para a Itália e contrariando a Justiça hondurenha sobre o afastamento de Manuel Zelaya.

Os dois dissidentes relatam sensação de desamparo e citam como aliados políticos da União Europeia, o presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera, que fez uma declaração muito clara, colocando-se ao lado do povo cubano e pedindo a liberdade dos presos de consciência, como lembrou Elizardo Sanchez. Outros governantes da América Latina, como o presidente da Costa Rica, Óscar Arias, e do Peru, Alan García, além de muitas organizações internacionais, também defendem a causa, segundo eles.

Guillermo Fariñas está desidratado e com taquicardia O jornalista e psicólogo cubano Guillermo Fariñas, que iniciou uma greve de fome no dia 24 de fevereiro para protestar contra a morte do também dissidente Orlando Zapata, não conseguiu, ontem, comentar as declarações de Lula.

Guillermo está muito fraco para dar entrevistas. Depois de duas semanas sem se alimentar, está desidratado e com taquicardia informou sua porta-voz, Liset Zamora.

Mas ele está a par das declarações.

Lula é cúmplice do governo cubano. E, ironicamente, esta parceria teve início quando ele próprio era perseguido político da ditadura brasileira.

Segundo a porta-voz, as declarações, que para muitos foram espantosas, não surpreenderam Fariña.

Ele é um presidente que responde aos interesses do governo cubano.

Veio a Cuba firmar convênios enquanto Orlando Zapata morria. Ele estava reunido com Raúl Castro quando este se pronunciou a respeito, e o máximo que fez foi dizer que não sabia de nada.

Lula mentiu. Sinto pelos brasileiros, mas Lula não é nada honesto.