Título: Genoma chega ao consultório
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Fonte: O Globo, 11/03/2010, Ciência, p. 28

Genoma chega ao consultório Sequenciamento completo do DNA tem primeira aplicação prática e identifica doença Num significativo avanço da medicina personalizada, especialistas anunciaram ontem o primeiro caso em que a sequência completa do genoma de um paciente foi obtida com o objetivo de revelar a causa de sua rara doença, de origem genética. O avanço demonstra, pela primeira vez, que a tecnologia do sequenciamento genético, apontada como a medicina do futuro, já é robusta o suficiente para garantir resultados clínicos importantes. Até hoje, menos de dez pessoas no mundo haviam tido seus genomas totalmente sequenciados. Isso foi feito mais como um exercício intelectual do que algo com aplicação prática, como agora. Mas a tecnologia pode também lançar uma nova era, de neurose médica, em vez de dar início a um período de saúde melhor. Saber de antemão o risco de apresentar determinadas doenças no futuro pode ajudar a prevenir seu surgimento, mas também poderia levar a uma vida de angústia e preocupação. O trabalho decifrou um enigma pessoal de 20 anos para o cientista James Lupski, vice-diretor de genética molecular e humana do Baylor College of Medicine, em Houston, Texas, que também foi o coordenador da pesquisa. Lupski herdou de seus pais uma rara condição que afeta as terminações nervosas das mãos e dos pés, chamada síndrome de Charcot-Marie-Tooth. Em 1991, ele e seu grupo identificaram a primeira mutação genética relacionada à doença. Desde então, 40 outros genes relacionados à condição foram descobertos por outros pesquisadores. Mas nenhum desses genes explicava a forma específica da enfermidade que afeta Lupski e alguns de seus irmãos. Para ajudar o colega, Richard Gibbs, diretor do Centro de Sequenciamento do Genoma Humano, ofereceu-se para sequenciar o seu genoma completo. Os cientistas encontraram duas significativas mutações no gene SH3TC2 que seriam responsáveis pela condição apresentada por Lupski. Os resultados foram publicados na revista "New England Journal of Medicine". Lupski sabia ter uma doença genética há 40 anos, mas só agora, disse, conhece o gene responsável pelo problema. ¿ Foi a primeira vez que tentamos identificar uma doença genética desta forma ¿ afirmou o especialista. ¿ Atualmente, conhecemos a função de 5% a 10% dos aproximadamente 25 mil genes de nosso genoma necessários para formar um ser humano. Mas o que esta pesquisa nos mostra é que os dados já são robustos o suficiente para começarmos a usá-los para interpretar informação clínica no contexto da sequência genômica. Descobrir os segredos do código genético de indivíduos para revelar os riscos do desenvolvimento de doenças específicas era uma tarefa limitada pelo alto custo. Mas o valor vem caindo drasticamente. Decodificar o código genético de James Watson, um dos descobridores da estrutura da dupla hélice do DNA, custou, em 2008, US$1 milhão. O genoma de Lupski saiu por US$50 mil. Um editorial publicado na própria revista médica sustenta que a "espetacular" redução dos custos tende a continuar como resultado da competição e da inovação no campo, e chegará "a um décimo do custo atual" dentro de dois anos. Mesmo hoje, usando uma técnica diferente ¿ que comprime o alvo a ser sequenciado e, ainda assim, responde por 90% de todas as mutações ¿, o custo de decodificar o genoma de Lupski poderia ter sido de US$4 mil. "Está cada vez mais claro que os custos cada vez se aproximam mais de um patamar em que o sequenciamento do DNA se tornará uma parte rotineira do arsenal de diagnósticos", aponta o editorial. Entretanto, as novas conquistas levantam algumas questões éticas. Entre elas, saber como a informação sobre os riscos de doenças genéticas serão apresentados aos indivíduos e quais seriam as implicações dessas revelações no emprego ou no ramo dos seguros. Desafios éticos e pessoais Mulheres com alterações nos genes BRCA1 e 2, conhecidos por aumentar o risco de desenvolvimento de câncer de mama em 80%, podem se proteger fazendo mamografias regularmente ou, até mesmo, optar por uma cirurgia profilática de remoção das mamas. Mas, por exemplo, no caso da doença de Huntington, uma condição neurodegenerativa progressiva que é herdada, não há cura. Alertar as pessoas nascidas com os genes que causam o problema serviria apenas para que tivessem uma vida de preocupação. Embora alguns possam preferir saber, outros podem optar pela ignorância até que os sintomas surjam. Casais que estão tentando engravidar podem preferir saber, como forma de prevenir o problema na criança. Até agora, já foram identificadas mais de duas mil mutações em um único gene responsáveis por raras doenças genéticas. Mutações em vários genes, que aumentam os riscos para doenças comuns, também já estão sendo descobertas.