Título: Vaticano reconhece 3 mil denúncias de abuso
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Fonte: O Globo, 14/03/2010, O Mundo, p. 40
Maioria de registros envolve `ebofilia¿, atração física por adolescentes do mesmo sexo
ROMA. À medida que surgem novos detalhes sobre abusos sexuais de crianças por religiosos na Arquidiocese de Munique, então liderada por Joseph Ratzinger, o Vaticano veio ontem a público defender o Papa Bento XVI contra o que chamou de uma campanha agressiva contra ele na Alemanha. Ao mesmo tempo, um alto funcionário do Vaticano que supervisiona investigações internas reconheceu que três mil casos de suspeita de abusos sexuais nos últimos oito anos foram levados à sua atenção na década passada, dos quais 20% foram a julgamento em cortes da Santa Sé.
Em uma franca entrevista ao jornal ¿Avvenire¿ (da Confederação dos Bispos Italianos), o monsenhor Charles J. Scicluna, promotor da Congregação para a Doutrina da Fé, a mais antiga das nove comissões da Cúria Romana, classificou como ¿falsas e caluniosas¿ as acusações de que o Papa encobriu os casos de abuso quatro anos antes de se tornar Pontífice, quando ainda era prefeito do escritório do Vaticano.
Vaticano denuncia campanha contra Bento XVI
Por outro lado, o monsenhor reconheceu que, das três mil denúncias de abusos a menores na última década, 80% ocorreram nos Estados Unidos. Segundo Scicluna, 300 padres foram acusados de pedofilia nos últimos nove anos. Os episódios envolvem religiosos e sacerdotes em casos ocorridos em 50 anos.
¿Até 2009 a porcentagem americana diminuiu, passando a representar 25% dos 223 novos casos denunciados em todo o mundo. Nos últimos anos (2007 a 2009), a média anual em todo o mundo registrada na Congregação é de 250 casos. Muitos países assinalam só um ou dois casos. Aumenta, portanto, a diversidade e o número de países de procedência dos casos, mas o fenômeno é muito limitado. Tem que levar em conta que são 400 mil sacerdotes e religiosos no mundo. Essas estatísticas não correspondem à proporção criada quando casos tão tristes ocupam as primeiras páginas dos jornais¿, disse o monsenhor.
De acordo com Scicluna, as acusações relativas aos três mil casos estão sendo analisados pelo Vaticano. Porém, o monsenhor afirma que não é correto definir os sacerdotes como pedófilos: ¿Podemos dizer, a grosso modo, que em 60% desses casos trata-se nada mais do que `ebofilia¿, ou seja, atração física por adolescentes do mesmo sexo. Outros 30% se referem a relações heterossexuais e 10% a atos de pedofilia verdadeira e própria¿, afirmou.
Em um esforço para aliviar as pressões sobre o Pontífice, o porta-voz do Vaticano, reverendo Federico Lombardi, disse ser ¿evidente que nos últimos dias houve aqueles que tentassem, com uma certa tenacidade agressiva, em Regensburg e Munique, encontrar elementos para envolver o Santo Padre pessoalmente em casos de abuso¿. Segundo ele, a tentativa de ligar Bento XVI ao fato fracassou.
O Vaticano também buscou defender o Papa das críticas de que a medida da Santa Sé que exige sigilo em casos de abuso é equivalente à obstrução da Justiça em tribunais civis. ¿Sigilo durante a fase de investigação serve para proteger o nome das pessoas envolvidas, primeira e especialmente as vítimas, além dos padres acusados¿, defendeu o monsenhor durante a entrevista ao jornal italiano.