Título: Pacto sob risco
Autor:
Fonte: O Globo, 17/03/2010, Opinião, p. 6
Se havia alguma dúvida do caráter discriminatório da emenda IbsenPinheiro (PMDB-RS), redefinindo a distribuição dos royalties sobre aprodução de petróleo, aprovada por ampla maioria na Câmara, eladesaparece com os cálculos sobre como ficaria a divisão do bolo: o Riode Janeiro cai do primeiro para o vigésimo segundo lugar entre as 27unidades da federação! Ou seja, o estado seria punido por responder por85% da produção nacional (o que eleva a sua renda média por habitante,indicador que contribui para redução de sua quota no Fundo deParticipação dos Estados).
A emenda, que desencadeou uma cizâniaao transformar fluminenses e capixabas em cidadãos brasileiros desegunda classe, sem direitos assegurados, representa de fato umaruptura do pacto federativo.
É, no mínimo, uma covardia.
Pormuito menos a reforma tributária não andou no Congresso, pelo temor quealguns estados têm de perder receita, mesmo diante do compromisso daUnião de compensálos por um determinado período (até que a reformachegasse a produzir os resultados desejados sobre a arrecadação).
ACâmara, infelizmente, não teve a mesmo preocupação em relação aosroyalties. Com a proposta do governo Lula de modificar o regime deexploração e produção de hidrocarbonetos na camada do présal, o Rio deJaneiro já havia sido visivelmente prejudicado, pois a partilha nãoprevia a incidência de royalties e participações especiais.
Umanegociação com o governo federal restituiu parte desses direitos, e oRio de Janeiro teve de se resignar, pois não havia disposição políticados deputados de discutir essa questão mais a fundo, embora o regime deconcessões tenha se revelado exitoso e adequado para a indústria dopetróleo no Brasil.
Deputados de estados não produtores viram noprojeto do governo a oportunidade de avançar sobre a receita deroyalties, que somente se tornou expressiva quando os reservatóriosgigantes da Bacia de Campos entraram efetivamente em produção,despertando uma cobiça generalizada. Ainda que os 18 milhões defluminenses e capixabas sejam minoria em um país de 190 milhões dehabitantes, a divisão que se formou é suficiente para caracterizar umaruptura do pacto federativo, que também se assenta no princípio dasolidariedade entre estados e municípios.
Para o bem do Brasil,isso precisa ser resolvido, e só o governo federal tem força políticajunto ao Congresso para intervir e selar a paz. Tamanho ressentimentoentre compatriotas envenenará as relações institucionais entre asunidades da federação, com consequências sérias.