Título: O direito do Rio
Autor: Fchtner, Regis
Fonte: O Globo, 16/03/2010, O País, p. 7

Tem sido lugar comum na discussão sobre os royalties do petróleo a afirmação de que é inevitável para os Estados produtores a perda da compensação a que têm direito, garantida pelo parágrafo 1º do art. 20 da Constituição, porque o placar no Congresso para essa votação é de 24 Estados contra 3. O que querem dizer é que a maioria pode sempre suprimir ou restringir um direito da minoria pelo simples fato de ser titular de mais votos.

Afirmações desse tipo são a negação do princípio do estado democrático de direito, que é o fundamento de toda a nossa organização político-social, e fazem lembrar momentos tristes da história, como as leis promulgadas na Alemanha nazista que eliminavam ou restringiam garantias individuais de minorias (judeus, ciganos, negros, etc), apesar da regra constitucional que as garantia para todos, porque tais leis foram votadas por maioria que permitia romper o princípio constitucional.

O direito que os Estados produtores têm de obter compensação econômica pela riqueza extraída nos seus territórios está previsto na Constituição porque se constitui em um verdadeiro direito natural desses Estados no sistema federativo.

Ele não pode ser suprimido, nem diminuído ao ponto de lhe tirar a efetividade, porque é inadmissível que uma unidade da Federação disponha de uma riqueza natural e não tire dela nenhum proveito econômico, já que os Estados produtores não recebem o ICMS sobre o petróleo, uma vez que a Constituição prevê que, ao contrário de todos os outros produtos, o pagamento do tributo se dá no seu destino, e não na sua origem.

Além de por lei ordinária tentar suprimir o direito natural à compensação pela exploração de uma riqueza no território dos Estados produtores, garantido pela Constituição, os defensores da tese de que a maioria pode tudo ainda querem violar uma outra regra sagrada do direito constitucional moderno: a do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Querem mudar as regras do jogo que já foi iniciado, ao aprovarem na Câmara a mudança dos critérios de distribuição de royalties para os campos de produção já licitados e cujo direito à compensação já integra o patrimônio dos Estados onde se localizam.

É assombroso.

Os defensores dessas propostas acham que com isso passam a imagem de que brigam por mais recursos para os seus Estados e Municípios. Na verdade, para tentar obter uma pequena vantagem, violam princípios caros à democracia brasileira, abrem um precedente que pode ser utilizado contra outras unidades da Federação em relação a interesses que lhes sejam peculiares, levam à falência um Estado fundamental para o Brasil como o Rio de Janeiro e dão início a uma guerra federativa no campo tributário que trará prejuízos a todo o Brasil.

Fazem tudo isso por pouco dinheiro, porque, por maior que seja o valor que se pretende suprimir dos Estados produtores, ele sempre será dividido por 27, tornando-se assim uma grande perda para o Estado onde o petróleo é produzido e um pequeno ganho para os demais.

Essa decisão da Câmara trilhou os caminhos da ausência de reflexão de muitos e da insensatez e do oportunismo político de alguns poucos. Ela contraria o atual momento virtuoso por que passa o Brasil, de crescimento econômico e social, com plena vigência da democracia e respeito às regras constitucionais, que foi alcançado após muita luta e sacrifício por todos os brasileiros. Os deputados e senadores ainda têm uma grande oportunidade de evitar o início do fim da federação brasileira.