Título: Juros e política
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 16/03/2010, Economia, p. B18

Areunião do Copom esta semana será a mais difícil do governo Lula. Houveoutras que foram verdadeiros testes de autonomia do Banco Central.

Nesta,os rumores de que o presidente do BC pode se afastar para retomar acarreira política e as pressões contra a alta dos juros por causa docalendário cívico alimentam as dúvidas sobre o que acontecerá.

Os analistas estão divididos.

OItaú Unibanco acredita que os juros vão subir 0,5 ponto percentual. OBradesco também acredita em um aumento de 0,5 ponto percentual. ATendências acha que os juros não vão subir em março, só em abril. A MCMtambém aposta que os juros vão subir só em abril, mas acha que o certoseria subir agora.

O economista José Júlio Senna, da MCM,analisando novamente as atas dos momentos críticos, disse que o BC sómuda a trajetória dos juros depois de uma ata forte.

Foi assimem 2007, quando parou de reduzir os juros; em 2008, quando elevou astaxas; e em 2009, quando voltou a cortar. Por isso, acha que o BC vaielevar o tom nesta ata e subir juros só na próxima. Mas não acha queisso seja o melhor: Pelo cenário atual, o recomendável seria subirjuros já na quarta-feira. Do contrário, teremos 45 dias de piora dasexpectativas disse Senna.

O Banco Central do Brasil não éautônomo. Ele tem tido autonomia. Nos grandes testes, o Copom acaboudecidindo certo ou errado mas contrariando pressões explícitas daFazenda e outros setores do governo.

Pelo manual das metas deinflação, há motivos para subir os juros: a inflação pelo IPCAacumulada em dois meses é de 1,54%, um terço da meta, e é o que o BancoCentral, em dezembro, tinha projetado para todo o primeiro trimestre. Aprojeção da Ativa Corretora para o IPCA acumulado no trimestre é de 2%.O IGP-DI, que terminou o ano com deflação, em dois meses acumulou2,11%. O Boletim Focus, que traz a projeção média do mercado, já prevê5% de inflação no ano.

Recentemente, o presidente do BC,Henrique Meirelles, disse que as decisões não são tomadas olhandose ocalendário cívico. O texto dessa declaração foi preparado por elemesmo, e não por assessores. Ele leu e não deu entrevistas. Era aquilomesmo que queria dizer. No outro dia, no entanto, o ministro GuidoMantega disse que não era exatamente aquilo que Meirelles quisera dizer.

Atéhoje Meirelles tem de fato ficado imune ao calendário político, mas oque acontecerá se em seus planos estiver o de se afastar em abril paraconcorrer nas eleições deste ano? Há quem se pergunte se será possívelao BC iniciar um ciclo de aumento das taxas, o que significa elevar acada reunião um pouco, apesar da tensão que isso vai causar no governopor causa da campanha eleitoral.

Preços em alta sempre pioram ohumor do eleitorado; juros crescentes sempre pioram o humor dospolíticos, empresários e dos que dentro do governo acham que o BancoCentral tem sido conservador demais. Esse será o dilema nesta e naspróximas reuniões do Copom.

Se Meirelles sair, uma equipe maisdócil pode acabar evitando a elevação das taxas, e isso poderiarealimentar a inflação. Se ficar, certamente continuará apostando tudona manutenção da inflação baixa para manter a reputação de independente.

O Itaú Unibanco acha que os juros sobem meio ponto, e já esta semana.

O Copom vai iniciar na próxima reunião uma série de elevações graduais da taxa.

Acreditamosque serão quatro aumentos consecutivos, que começará por meio pontopercentual na próxima reunião e vai somar 2,75 pontos ao longo de todaa série.

Ao fim desse movimento, na reunião de julho, a Selic estará em 11,5% ao ano disse Ilan Goldfajn.

Osque acreditam que o aperto virá mais à frente argumentam que a economiavai desacelerar naturalmente do nível anualizado que mostrou no quartotrimestre, de 8%. Esse ritmo não se sustentaria, porque foram retiradosos estímulos econômicos de combate à crise, e o comércio mundialcontinuará fraco e servirá de freio ao crescimento do país. Além disso,a inflação deste começo de ano foi influenciada por fatores sazonais,como ônibus e escolas, que não vão afetar os outros meses.

ATendências consultoria acha que os juros não sobem agora em março, masque em abril começa o ciclo de alta, que vai elevar em 2,5 pontopercentual os juros.

O crescimento do quarto trimestre do anopassado foi pautado pela reocupação da capacidade ociosa, dosincentivos ao consumo. Isso não vai se repetir ao longo do ano. Alémdisso, o mercado externo não se recuperou totalmente explicou oeconomista Bernardo Wijuniski.

Eu acho bem provável que o BancoCentral aumente, mas apenas 0,25%, dando um sinal de que é o início deum ciclo de aperto monetário. Se esse ciclo ocorrerá e será longo, issoquem vai dizer é a queda de braço entre a política e a economia. Se oBC quiser subir juros, é preferível subir logo porque a campanha aindanão esquentou.

Depois virá a Copa, em que o Brasil pouco seimportará com juros. Se as taxas subirem agora, em setembro e outubro éque elas estarão derrubando a inflação. Será uma forma de atender, semparecer que está atendendo, ao calendário cívico.