Título: Pressão e boicote em Jerusalém
Autor: Oliveira, Eliane ; Kresch, Daniela
Fonte: O Globo, 16/03/2010, O Mundo, p. 23

Netanyahu pressiona Lula por apoio contra Irã, e chanceler de Israel não aparece

Aprimeira visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Israeldeixou evidente o descompasso no governo israelense. A chegada de Lularachou o governo: enquanto o premier Benjamin Netanyahu se esforçavapara conquistar o apoio do Brasil às novas sanções contra o Irã, nacontramão de todos os esforços diplomáticos, seu chanceler, AvigdorLieberman, decidiu boicotar a visita do presidente. Para justificar aausência, Lieberman alegou os laços brasileiros com Teerã e a recusa deLula em colocar flores no túmulo do líder sionista Theodor Herzl, parteda cerimônia protocolar.

Lula foi homenageado numa sessãoextraordinária no Parlamento e, junto com o ministro das RelaçõesExteriores, Celso Amorim, reuniuse com Netanyahu, que não hesitou emaumentar a pressão pelo apoio de Brasília contra o Irã.

Foco no Irã, e não na Palestina

Com o racha dos anfitriões, para os brasileiros, a surpresa ficoupor conta do desvio completo do principal foco da visita. Com umdiscurso pronto, em que defendia a criação do Estado palestino ecolocava o Brasil à disposição para mediar o acordo de paz no OrienteMédio, Lula foi atropelado pelas pressões israelenses tanto deNetanyahu, quanto de parlamentares governistas e da oposição pedindoa mudança urgente da atitude brasileira em relação à política nucleardo Irã.

Peço ao senhor que apoie a junta internacional contra o armamentismo no Irã. Vocês são a favor da liberdade.

Eles (os iranianos) têm valores diferentes e usam a crueldade.

Elesadoram a morte e o terror, vocês adoram a vida. O Irã representa, hojeem dia, o eixo central contra a estabilidade e a paz no Oriente Médio.

Eles negam o Holocausto e querem que Israel seja varrida do mapa afirmou Netanyahu.

Paraprovar que o melhor caminho é o consenso internacional, oprimeiro-ministro chegou a fazer uma analogia com o futebol. Netanyahucontou que ele e um líder europeu divergiam sobre quem seria o melhorjogador de todos os tempos, Pelé ou o argentino Maradona. Netanyahudisse que preferia Pelé.

No final, concordamos em não concordar disse ele, fazendo Lula abrir um sorriso.

Apesardas investidas de Netanyahu, o ministro das Relações Exteriores deIsrael, Avigdor Lieberman, preferiu mandar seu recado ao Brasilboicotando a visita. Além de não participar da sessão solene na Knesset(o Parlamento), o chanceler também faltou ao encontro com Netanyahu,Lula e Celso Amorim.

Segundo a chancelaria, o motivo do boicotefoi a decisão de Lula de não depositar flores no túmulo de TheodorHerzl, fundador do sionismo, movimento que levou à criação de Israel. Acerimônia aconteceria hoje, parte do protocolo da recepção de chefes deEstado, mas Lula decidiu não ir numa atitude que irritou achancelaria israelense, sobretudo porque ele pretende depositar floresno túmulo do líder palestino Yasser Arafat na visita, amanhã, à cidadede Ramallah, na Cisjordânia.

O Ministério do Exterior afirmouque a intenção de Lieberman foi mostrar ao líder brasileiro que Israelencara com seriedade a quebra de protocolo. Outra razão para oboicote seria o bom relacionamento de Lula com o presidente iraniano,Mahmoud Ahmadinejad. O episódio provocou mal-estar, já que Liebermanesteve no Brasil em julho do ano passado e foi recebido por Amorim epelo próprio Lula em Brasília.

O incidente diplomático pelarecusa em visitar o túmulo de Herzl ganhou as manchetes dos jornaislocais, rádios e TVs. No site do Maariv, a notícia foi a mais lida dodia. Mais de 140 leitores comentaram a informação, a maioria condenandoa postura brasileira. Na edição matutina do Yediot Ahronot, o jornaldestacou as origens humildes de Lula e o fato de que se tornou opresidente mais amado do país e um dos líderes mais adorados doplaneta. Mas também foi lembrado o imbróglio, sob o título Herzl não,Arafat sim.

Tenho o vírus da paz, diz Lula

A primeira visita de um presidente brasileiro ao Congressoisraelense desde a criação do país, em 1948, foi cheia de cobranças. Opresidente do Parlamento, Reuven Rivlin, do partido de direita Likud,afirmou que ter relações com o Irã é dar legitimidade às pretensõesassassinas de Ahmadinejad: Ser contra as sanções publicamente podeser interpretado como fraqueza perante líderes como esse (Ahmadinejad),que não têm freios.

A História nos mostra o que, Deus nos livre, pode acontecer se não tomarmos medidas contra essa ameaça.

Os países devem acordar da dormência e enfrentar as bases satânicas desse regime dos aiatolás.

A líder da oposição, Tzipi Livni, recebeu Lula no início da tarde e também defendeu o isolamento do Irã.

Eladisse concordar com a proposta do presidente Shimon Peres de que osiranianos sejam expulsos das Nações Unidas. Lula ouviu tudo em silêncioe não citou o Irã. Indiretamente, porém, criticou países que, ao mesmotempo em que defendem sanções, não apresentam propostas concretas dedesarmamento. Ele mencionou América Latina e Caribe como exemplos aserem seguidos.

Tenho orgulho de proclamar que a AméricaLatina e o Caribe são zonas desnuclearizadas, livre de armas dedestruição massiva. Em meu país, há uma proibição constitucional deprodução e utilização de armamento nuclear. Gostaríamos que nossoexemplo pudesse ser seguido em outras partes do mundo afirmou Lulaque, apesar das pressões, foi aplaudido de pé após seu discurso.

Assimcomo Lieberman, os deputados do bloco de ultra-direita Ichud Leumi(União Nacional) também não prestigiaram o brasileiro. Em nota, opartido afirmou que o presidente do Brasil desdenha dos símbolosnacionais.

Mais de 70 dos 120 deputados estiveram presentes.Após o discurso, no entanto, o líder do partido de esquerda Meretz,Haim Oron, se disse decepcionado: Ele foi diplomático demais,moderado demais. E não explicou as razões que o levam a apoiar o Irã.

Apalavra paz foi citada por Lula várias vezes ao longo do dia. Numseminário com empresários brasileiros e argentinos, ele afirmou: Tenho um vírus da paz desde que eu estava no útero da minha mãe. Não melembro de ter me envolvido em nenhuma briga.

Coube ao ministrodas Relações Exteriores, Celso Amorim, vir em defesa de Lula. Elereafirmou a posição brasileira, contrária às sanções, sob o argumentode que prejudicam a população civil, e de que Lula, em sua visita aoIrã, cobrará do país o compromisso de que a política nuclear será usadapara fins pacíficos.

Vejam o que houve no Iraque: diziase que os iraquianos produziam armas químicas e isso não se confirmou.

Preferimos o benefício da dúvida.

SegundoAmorim, Lula e Netanyahu tiveram uma conversa franca e respeitosa. Nareunião, que durou 1h30m, ficou acertado que Brasil e Israel manterãoum sistema de consultas, com encontros do primeiro escalão a cada doisanos. Netanyahu também teria aceitado um convite para visitar o Brasilainda este ano.