Título: Isto definitivamente não é trabalho para Lula
Autor: Oliveira, Eliane ; Kresch, Daniela
Fonte: O Globo, 16/03/2010, O Mundo, p. 24

Para analista americano, não há possibilidade de alguém inteiramente estranho ao conflito mediar a paz no Oriente Médio

NOVA YORK. Colunista do The New York Times, o jornalista ThomasFriedman, autor de Hot, flat and crowded (Quente, plano e lotado,que chega no fim do mês às livrarias) e De Beirute a Jerusalém, é umdos mais influentes comentaristas de política internacional do mundo.Num momento de alta tensão nas relações entre EUA e Israel após oanúncio de novos assentamentos judaicos na Cisjordânia, Friedman nãohesita em classificar as autoridades israelenses como um governo debêbados.

Marília Martins

Correspondente

O GLOBO: O primeiro-ministro Benjamin Netanyahuesteve sob forte pressão após o anúncio de mais casas em JerusalémOriental. E isto no momento em que o vice-presidente Joe Biden estavavisitando Israel THOMAS FRIEDMAN: Foi de fatodesastroso. Este anúncio só nos faz perceber como o governo israelenseestá cego diante da realidade dos conflitos no Oriente Médio. Bidendeveria simplesmente ter tomado o avião de volta para casa, deixando umbilhete: Amigos não deixam amigos dirigirem quando estão bêbados Evocês devem estar bêbados Voltamos a conversar quando vocês retomaremo contato com a realidade.

O senhor acha que isto foi um teste para Obama, para medir sua reação e ver quão duro ele pode ser com Israel? FRIEDMAN: Não acho que houve esta inteligência. Houve uma trapalhada, uma bagunça.

E isto nos faz ver como eles estão divididos e perdidos. Eu não acho que o anúncio foi deliberado.

Elesnão enxergam o que está acontecendo no mundo em volta. Pensam apenasnas disputas internas. Eles realmente não pensam mais nos EUA. Ou nosinteresses americanos.

Então foi apenas uma trapalhada? FRIEDMAN: Foirealmente um desastre. Por nove meses o enviado especial GeorgeMitchell tentou construir um caminho para o diálogo entre israelenses epalestinos e ele se dispôs a fazer a ponte para estabelecerconversações de paz. Pois num fim de semana o governo israelensepraticamente pôs tudo a perder. Lamentável.

Em viagem ao Oriente Médio, ontem o presidente Luiz Inácio Lula daSilva se encontrou com o premier Benjamin Netanyahu. Lula tem sido,inclusive, cogitado para servir como novo mediador no Oriente Médio. Osenhor acredita que ele tem condições de fazer este trabalho? FRIEDMAN: Não. Com todo o respeito ao presidente Lula, ele não vai querer se meter no meio de uma confusão tão grande (risos).

Lula poderia fazer alguma coisa, ajudar na retomada das negociações de paz? FRIEDMAN:Oh, não. Esta não é uma tarefa para ele. O presidente Lula precisa seconcentrar no Brasil. Este não é um trabalho para ele, definitivamente.

E o senhor vê alguma maneira de trazer de volta as conversações de paz? FRIEDMAN:Neste momento não tenho certeza se isto será possível. As conversas depaz entre israelenses e palestinos fazem parte de um longo processo denegociação entre as forças inimigas na região. Não vejo como alguéminteiramente estranho ao conflito poderia ajudar. A geopolítica noOriente Médio é muito complicada porque lida com forças muito diversas.Ninguém vai começar a conversar do zero.

Todos gostariam que o processo que vinha sendo longamente negociado fosse adiante.

Este foi o objetivo da visita do vice-presidente Joe Biden.

Agora vamos ver como o governo Obama vai reagir.

O momento era oportuno para retomar negociações também porque o Hamas suspendeu ataques a partir da Faixa de Gaza...

FRIEDMAN:Sem dúvida. O objetivo era também trazer os palestinos para a mesa denegociações a fim de isolar o Irã e tirar a Palestina do baralho decartas iraniano.

O Brasil tem sido contrário a uma nova rodada de sanções contra oIrã devido ao seu programa nuclear. O senhor acredita que novasrestrições seriam efetivas? FRIEDMAN: Eu acho que sim.

Sançõeseconômicas impostas pelas Nações Unidas, com grande apoio da comunidadeinternacional, tendo como alvo a Guarda Revolucionária, poderiam sereficientes, sim.

Eu não sei se seriam decisivas, mas acho que certamente teriam um grande efeito sobre o regime iraniano.

O senhor acha que as sanções poderiam desestabilizar o regime de Teerã? FRIEDMAN: Não sei. Mas acho que teriam efeito sobre os membros da Guarda Revolucionária.

Estamos conversando sobre sanções bem específicas, que visem a Guarda Revolucionária.

Mas se houver restrições à exportação de derivados do petróleo parao Irã, as sanções teriam certamente efeito sobre a classe média.

FRIEDMAN:Sim, haverá alguma dor. Mas é difícil prever se o governo iraniano vaimudar sua política nuclear por conta dessas restrições para importação.

Seo regime tiver cometido violações ao acordo de não-proliferação dearmas nucleares, merece uma resposta da ONU, teremos que reagir quantoa isto.