Título: A tempestade que assustou o Brasil, Anita
Autor: Albuquerque, Carlos
Fonte: O Globo, 16/03/2010, Ciência, p. 26
Tormenta tropical no Sul é tão rara que ganhou nome de heroína local
NA IMAGEM de satélite, a tormenta no Sul
A TEMPESTADE elétrica que se abateu sobre o Rio: raios horizontais
Anita passou por aqui. A rara tempestade tropical fora dos trópicos, que se formou na costa sul do Brasil na semana passada, foi batizada com o nome de uma heroína local: Anita Garibaldi. O fenômeno, que afetou os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina e gerou um alerta da Nasa, chegou a se tornar um ciclone tropical, mas se dissipou no oceano, sem atingir a região.
Foi o segundo deste tipo a ser registrado no país e a ganhar nome. Em 2004, outra tempestade tropical atingiu a costa sul brasileira, acompanhada por um ciclone, ganhando o nome de Furacão Catarina e provocando forte destruição no Sul do país. A adoção do nome segue regras adotadas em países como os EUA, onde tais ocorrências são comuns.
¿ No caso do Catarina, como acreditávamos que fosse uma ocorrência raríssima, não foi seguido o padrão internacional de nomenclatura, em que os ciclones são batizados em ordem alfabética, alternando nomes masculinos e femininos ¿ explica a meteorologista Marilene de Lima, do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Ciram). ¿ Mas como a ocorrência se repetiu, tentamos fazer a coisa certa dessa vez. Como o fenômeno se deu perto do Dia Internacional da Mulher e como Anita Garibaldi é um personagem histórico da região, a tempestade e o ciclone foram batizados de Anita.
Fenômeno é incomum no Sul
Ciclones tropicais são raros e atípicos no Atlântico Sul não só por serem obviamente fora dos trópicos, mas também por causa das baixas temperaturas das suas águas. Anita, porém, teve a seu favor um sistema de alta pressão presente na região.
¿ O ciclone se formou sobre o oceano, perto do litoral do Paraná e de Santa Catarina ¿ explica a meteorologista. ¿ Alguns dias antes, aconteceu na mesma região o deslocamento de uma frente fria, que deixou áreas de baixa pressão. Junte isso a um fluxo de umidade, vindo da região amazônica, com ventos altos e fortes, e você tem os fatores que contribuíram para a formação do ciclone. A nossa sorte é que a parte superior do ciclone se desprendeu e uma outra frente fria, vinda da Argentina, fez com que ele se desconfigurasse e se afastasse para o mar, não atingindo as áreas habitadas do litoral.
O impacto e a surpresa com Catarina, em 2004, levantaram a especulações de que o aquecimento global tivesse favorecido o surgimento daquele raro fenômeno no Brasil.
¿ No caso de Anita, não temos dados para afirmar que há uma ligação entre o ciclone e as mudanças no clima, mas não há como descartar essa possibilidade ¿ diz Marilene.
Tempestade elétrica no Rio de Janeiro
No Rio, as fortes chuvas de domingo foram acompanhadas por uma violenta tempestade elétrica. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 715 raios atingiram a cidade naquela noite. Para comparação, entre os dias 1 e 14 de março de 2009, o Rio foi atingido por 802 raios. O temor com as descargas, aliado ao alagamento do campo, fizeram com que o jogo entre Botafogo e Olaria, no estádio do Engenhão, no Engenho de Dentro, fosse interrompido.
¿ É realmente um número muito alto para um só dia ¿ diz Osmar Pinto Júnior, coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Inpe, e maior especialista em raios do país. ¿ Mesmo assim, esse tipo de tempestade é típico do final do verão, com chuvas fortes e muitos raios no período do começo da noite.
O que não foi comum na tempestade elétrica de domingo passado foi o formato de alguns raios. Em vez de se projetarem, verticalmente, em direção ao chão, eles ganharam ramificações horizontais, como os galhos de uma árvore.
¿ Trata-se de um fenômeno interessante, em que há grande incidência de descargas positivas, diferentes do comum, que são as descargas negativas ¿ explica Osmar. ¿ Esses raios horizontais podem se estender por até vinte quilômetros e são bem intensos, capazes de causar danos maiores do que os negativos. Eles foram causados pelos fortes ventos, soprando em diversas direções, que, digamos, entortaram as nuvens.