Título: Justiça Eleitoral em xeque
Autor: Braga, Isabel ; Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 19/03/2010, O País, p. 3

No mesmo dia, em duas ações diferentes, TSE multa e absolve Lula por propaganda antecipada e BRASÍLIA

Duas decisões tomadas ontem pela Justiça Eleitoral mostram como asérie de inaugurações e visitas a obras pelo presidente Lula, sempreacompanhado de sua candidata à Presidência, a ministra Dilma Rousseff,está desafiando e dividindo o Tribunal Superior Eleitoral. Numa dasdecisões, tomada pelo ministro Joelson Dias, Lula foi multado em R$ 5mil por campanha antecipada durante visita a uma obra do PAC emManguinhos, no Rio, em 29 de maio do ano passado. Em outra decisão,esta do colegiado do TSE, quatro ministros votaram pela absolvição, eoutros três pela condenação de Lula e Dilma por campanha fora da hora.

Navisita a Manguinhos, Lula, na companhia de Dilma, disse ter certeza deque ganhariam as eleições. Ele também torceu para que os gritos deapoio a Dilma fossem uma profecia.

E recomendou que a população não votasse em vigaristas. Dilma não foi punida pelo ministro auxiliar do TSE.

Tenhoque a propaganda eleitoral antecipada, no mínimo em sua formadissimulada, efetivamente se configurou em razão do que tenho comoverdadeira exortação, logo a seguir, no arremate do seu discurso peloprimeiro representado: Eu espero que a profecia que diz que a voz dopovo é a voz de Deus esteja correta neste momento, escreveu oministro. No evento, a plateia gritava Dilma, Dilma, Dilma!.

Afinal,ao interagir com os que assistiam à cerimônia, para inclusive dizer queesperava estar correto o que afirmavam, tenho que o primeirorepresentado (Lula) findou por incorporar ao seu próprio discurso aaclamação do nome da segunda demandada, concluiu o ministro.

JoelsonDias afirmou ter assistido à integra dos discursos de Lula em vídeo. Aoutra conclusão não se pode chegar, portanto, senão pelaresponsabilidade do primeiro representado (Lula) pela prática depropaganda eleitoral antecipada, com a consequente aplicação de multa,escreveu.

A multa foi baixa porque, para o ministro, o fato não revelou circunstância mais grave.

Oministro afirmou que não poderia punir Dilma porque não ficoucomprovado que ela sabia previamente do apoio público que lhe seriaprestado por seu chefe. O despacho será publicado na edição do Diáriode Justiça da próxima segunda-feira. A partir de então, a AdvocaciaGeral da União (AGU) terá prazo de três dias para recorrer.

Ojulgamento do provável recurso será realizado no plenário do TSE,composto de sete ministros. A expectativa do presidente do tribunal,ministro Carlos Ayres Britto, é que o julgamento ocorra na próximasemana.

Em nota, a AGU informou que vai recorrer. No recurso, oórgão reforçará os argumentos apresentados na defesa, de que aparticipação de um gestor público federal em inaugurações de obraspúblicas é um dever da função, de acordo com os preceitos datransparência e da prestação de contas. Para a AGU, a propagandaeleitoral é aquela feita pelo próprio candidato, pela sua coligação ouseu partido, com vistas a convencer o eleitor a votar nele nocandidato.

A decisão foi tomada no julgamento de ação do PSDB que pedia a aplicação de multa contra Lula e Dilma.

Para os tucanos, Lula usou o evento como palanque para as eleições de 2010 em favor da ministra.

Numoutro julgamento, também ontem, o presidente Lula escapou, por apenasum voto, do que seria a primeira condenação este ano, pelo colegiado doTSE, por propaganda eleitoral antecipada. O julgamento de trechos dodiscurso de Lula durante inaugurações em Minas estava empatado em 3 a3, e o último a votar, ministro Marcelo Ribeiro, considerou que nãohouve propaganda antecipada pró-Dilma.

É importante inaugurar o máximo

Naquele dia, em Minas, Lula prometeu acelerar as obras do PACtocadas por Dilma, que ele mesmo apelidou de mãe do PAC: Éimportante que a gente inaugure o máximo de obras possível, para quepossa mostrar quem foram as pessoas que ajudaram a fazer as coisasneste país.

Apesar de o TSE ter concluído que não houveantecipação, o julgamento deixou clara uma mudança no entendimento quevinha sendo adotado pelos ministros nas últimas decisões relativas arepresentações contra Lula e Dilma. O presidente do TSE, Carlos AyresBritto, fez questão de manifestar-se novamente, após o voto de Ribeiro,antes de proferir o resultado. Ayres Britto expressou suacontrariedade: O Brasil está sendo depurado eticamente. É assim que ademocracia se consolida e ganha autenticidade.

Na medida que sefaz de uma inauguração pretexto para comício, isso altera ofuncionamento da máquina, desequilibra a eleição, e o princípio daimpessoalidade fica abalado. O ministro (Felix) Fischer equacionou otema à luz da legislação eleitoral.

Agreguei algo, incluindo oque a Constituição Federal fala de obras. Inauguração de obra deve tercaráter educativo e de informação social.

É a oportunidade para falar da obra e não de pessoas.

Antesdo voto de desempate de Ribeiro, a viceprocuradorageral eleitoral,Sandra Cureau, enfatizou a mudança de entendimento do TSE em relação àsrepresentações apresentadas e votadas nos últimos meses pela Corte: Atendência vinha sendo de não considerar as situações como propagandaeleitoral. Mas a repetição dos atos, sempre com a presença daprécandidata, com novas inaugurações e novas frases truncadas edissimuladas...

Não dá mais para dizer que é só casualidade. Pode ter sito a quantidade exagerada que começou a mudar a tendência.

Najulgamento da noite, porém, sobre o evento em Minas, o ministro MarceloRibeiro disse não ter encontrado vínculo entre o discurso de Lula e acandidatura de Dilma.

A propaganda eleitoral antecipada tem que ser clara. O que é subliminar é algo que não é claro justificou o ministro.

Ribeiroacrescentou que a simples presença de Dilma na inauguração nãocaracteriza propaganda eleitoral extemporânea, já que a lei não impedeque ministros participem de inaugurações, a não ser a três meses daeleição. Para Marcelo Ribeiro, ao contrário do entendimento de AyresBritto, não houve quebra do princípio da impessoalidade neste caso.

Votaramfavoravelmente à aplicação de multa ao presidente Lula, além de AyresBritto, os ministros Felix Fischer e Fernando Gonçalves.

O relator, Joelson Dias, entendeu que não cabia a multa, sendo acompanhado por Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Ribeiro.