Título: Fruto da omissão
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Fonte: O Globo, 19/03/2010, O País, p. 6

Aindaque convocada pelo governo estadual, a manifestação que reuniu milharesde pessoas no Centro do Rio, em protesto contra a tentativa deapropriação dos royalties do petróleo hoje destinados ao RJ, deveriaservir de alerta a Brasília: estiveram lá senadores, prefeitos elíderes de todas as correntes políticas. Adversários ficaram lado alado diante de uma ameaça aterradora, capaz de eliminar, de uma sótacada, a capacidade de investimento do estado e de muitos municípiosque não se beneficiam apenas do impacto positivo da indústria dopetróleo, mas arcam também com uma demanda crescente por serviçosbásicos e infraestrutura, decorrente da exploração do petróleo.

Ogovernador de São Paulo, o tucano José Serra, um dos principaiscandidatos à Presidência em outubro, e que se mantinhainexplicavelmente em silêncio, entendeu a gravidade da situação e sepronunciou contra a emenda Ibsen. Como governador do estadoeconomicamente mais importante do país, reconheceu o efeito devastadorque a eliminação dos royalties representaria para as finanças do Rio edo Espírito Santo. Já o presidente Lula, ao ser indagado sobre essaquestão, ontem, em Amã, ao fim da visita à Jordânia, preferiu lavar asmãos. Disse que o problema passou a ser do Congresso, pois ele fizerasua parte encaminhando os projetos sobre o pré-sal sem entrar nomérito dos royalties. Ora, é uma postura inadmissível, pois foiexatamente a iniciativa do governo federal que deixou o Rio de Janeiroe o Espírito Santo completamente acuados. Não seria difícil imaginarque todos poderiam se unir contra o RJ e o ES, o que ficou evidentelogo nos primeiros pronunciamentos de alguns governadores de estadosnão produtores. À medida que a produção do petróleo no Rio se tornourelevante, a cobiça sobre os royalties foi despertada.

Após oenvio dos projetos com as novas regras para o pré-sal, coube ao governofederal costurar um acordo capaz de minimizar as perdas dos doisestados, o que foi feito, mas na votação da emenda Ibsen o Planalto seomitiu, e o resultado foi um massacre. O papel de preservar a unidadeda Federação, diante de um tema tão delicado, era mesmo do presidente,que praticamente se absteve. E, pelo visto, continua omisso.

Opresidente Lula não deveria subestimar os fluminenses. O estado é oterceiro colégio eleitoral do Brasil: a manifestação na Cinelândia, areação unânime e veemente da classe política e as pesquisas de opiniãomostram que a população tem plena consciência da covardia que a mudançana distribuição dos royalties representa. Pode dar o troco nas urnas.