Título: Descaminhos do pré-sal
Autor: Werneck, Rogério L. Furquim
Fonte: O Globo, 19/03/2010, O País, p. 7

Os projetos do pré-sal têm agora de passar pelo Senado, onde adiscussão não promete ser fácil. Na Câmara, houve um incidente grave,perfeitamente previsível, mas que não havia sido contemplado pelosgrandes estrategistas da Comissão Lobão-Rousseff, que concebeu osprojetos do pré-sal. Qualquer pessoa minimamente familiarizada com astensões do federalismo fiscal brasileiro sabia que a ideia de reabrir acaixa de Pandora da distribuição de royalties, em pleno ano eleitoral,era desavisada.

Açulado o vespeiro federativo, o governo perdeuo controle da situação e deixou a Câmara aprovar uma regra dedistribuição de royalties que deflagrou clima de revolta nos estados doRio de Janeiro e do Espírito Santo. O incidente deixou em pé de guerranão só os governadores Sérgio Cabral e Paulo Hartung como os seissenadores dos dois estados, todos da base governista.

O que sugere que a tramitação dos projetos do pré-sal no Senado será ainda mais difícil do que o governo temia.

Mas isso talvez permita que a questão do pré-sal seja afinal discutida com a seriedade que merece.

E que os equívocos dos projetos do governo sejam explicitados e, quem sabe, até corrigidos em alguma medida.

Aconcepção de como regular e estruturar a exploração do pré-sal erepartir os ganhos envolvia um desafio de ação coletiva que deveria tersido enfrentado num plano suprapartidário, como questão de Estado. Ogoverno, contudo, preferiu partidarizar a questão e brandila comotrunfo eleitoral, certo de que sua base de sustentação no Congresso lhepermitia prescindir da oposição.

O que o governo quer extrair doSenado é a aprovação de um arranjo indefensável, que concede a umaempresa com mais de 60% do capital detido por acionistas privados aPetrobras o monopólio de operação nos campos do pré-sal e umaparticipação de pelo menos 30% em cada consórcio que vier a explorartais campos. Alega-se que, sem tais privilégios, a Petrobras não poderáatingir a escala necessária para cumprir a missão que lhe teria sidoatribuída: a de desenvolver a indústria de equipamentos para o setorpetrolífero no país.

O que se contempla é a formação de umgrande cartório para distribuição de benesses a produtores deequipamentos, em que a Petrobras deteria o cofre das graças e o poderda desgraça. Uma espécie de coronelismo industrial.

Caso essaideia prospere, pode-se imaginar o tamanho da conta. Basta ter emmente, por exemplo, que a Petrobras está licitando nada menos que 28sondas marítimas de perfuração de alta tecnologia e exigindo que todaselas sejam produzidas no país. Salta aos olhos que tal exigência deveráimplicar enorme e injustificável encarecimento do programa deinvestimento no pré-sal. Parte substancial do excedente da exploração,a que o governo poderia dar destino mais nobre, será alegrementedilapidada na satisfação de fantasias acalentadas na Avenida Chilesobre as virtudes nirvânicas da autossuficiência do país na produção deequipamentos.

O pior é que um equívoco leva a outro.Desnecessariamente sobrecarregada com o monopólio da operação, aobrigação de deter 30% de cada consórcio e a missão de desenvolver aindústria de equipamentos, a Petrobras teria de ser capitalizada peloTesouro. O aporte do Tesouro, da ordem de US$ 40 bilhões, seria feitopor meio da entrega à Petrobras, sem licitação, de reservas de 5bilhões de barris no pré-sal pertencentes à União. Argui-se que, feitodessa forma, o aporte não traria grande ônus ao Tesouro.

Oargumento não faz sentido. Se de fato os 5 bilhões de barris valem oque se alega, o governo poderia licitálos e obter US$ 40 bilhões. Teriaentão de decidir se o melhor uso que o Tesouro poderia dar aos US$ 40bilhões seria destiná-los à capitalização da Petrobras, para que aempresa possa arcar com os investimentos com que o próprio governo aquer desnecessariamente sobrecarregar.

Não falta quem olhe em volta e consiga enxergar usos bem mais nobres para US$ 40 bilhões de dinheiro público.

É disso que se trata.

ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK é economista e professor da PUC-Rio.