Título: Ser 1º do mundo é consequência
Autor: Batista, Eike
Fonte: O Globo, 21/03/2010, Economia, p. 35

Empresário critica "cultura do empreiteiro" do Brasil e diz que país pode crescer até 9%

ENTREVISTA

Dono da oitava maior fortuna do mundo, segundo a Forbes, oempresário Eike Batista é taxativo ao falar da falta de ousadia de seupares nacionais. No Brasil, a cultura do empreiteiro está impregnadaaté debaixo das unhas. Para ele, chegar à liderança é consequência dotrabalho. Eike recebeu O GLOBO na última quinta-feira, por cerca detrês horas, em seu escritório, na Praia do Flamengo, com vista para aBaía de Guanabara. Ele contou que seus negócios não travaram com acrise, pois o grupo estava capitalizado, e disse apostar no crescimentode até 9% ao ano no Brasil, desde que os gargalos sejam superados. Agente é desentupidor de gargalo, disse, referindo-se aos projetos dogrupo.

Cristina Alves, Gustavo Villela, Danielle Nogueira e Felipe Frisch

O GLOBO: Em apenas dois anos o senhor passou do 142olugar para o oitavo lugar na lista de bilionários da Forbes.

Só em 2009 seu patrimônio saltou US$ 19 bilhões. Como isso foi possível? EIKE BATISTA:Simples. As quatro companhias (do grupo EBX, controlado por Eike) comcapital aberto têm ativos que estão sendo construídos. Os projetos queforam apresentados para a Bolsa três ou quatro anos atrás estão emexecução, e o meu ganho foi a avaliação dos investidores. As pessoasque falam em negócio de vento... Uma padaria precisa de um ano e meiopara construir; uma mina de ouro grande precisa de três a quatro anos.Mas no quarto ou quinto ano, ela começa a jorrar resultadosextraordinários.

O que diz aos investidores, alguns grandes como a Anglo American, para que acreditem nos projetos? EIKE:A venda (de ativos da MMX, empresa de mineração) para a Anglo foi maispara capitalizar o grupo. Não gosto de vender ativos que são filémignon.

Mas quando você cresce, é que nem uma jiboia que come umboi, você precisa de tempo para digerir. A venda para a Anglo foi o queme deu a base para criar a OGX (empresa de petróleo do grupo) e asoutras empresas. Mas vamos voltar ao modelo da mina de ouro. Osconceitos são grandes e sadios, e todos têm uma venda garantida.

Nocaso da MPX (de energia), estou construindo quatro térmicas, comcontratos de 15 anos de venda. Na OGX, a geração de caixa começa noprimeiro trimestre de 2011.

Uma crítica que se faz a seus negócios é a forte sinergia entre as empresas do grupo.

Há receio de que, se uma der errado, isso afete as demais.

EIKE:Elas só somam, não deduz uma da outra. Elas se sustentam por si só e,por acaso, ainda dá para capturar a sinergia delas todas. Temosreuniões com os executivos das companhias para ver o que se podeaproveitar de cada empresa.

Já pensou em sucessão? EIKE: Vários diretores podem assumir as empresas sozinhos.

Em cada uma delas há talentos extraordinários. A criação está feita. O meu filho mais velho me acompanha em várias reuniões.

Eleé sereno, observador. Toda hora me manda um SMS me perguntando: pai, jáassinou um MoU (sigla para memorando de entendimentos, em inglês)? Durantemuito tempo, o senhor era o filho do Eliezer, o marido da Luma. Agora éo contrário: o Eliezer é o pai do Eike. Como isso mudou? EIKE:Em 2000, decidi vender 90% dos meus ativos lá fora e me concentrar noBrasil. Perdi dinheiro na Grécia, na Rússia, nos países vizinhos. Vique 90% do tempo eu passava no Brasil, moro aqui, meus filhos moramaqui.

Pensei: vou construir minha base aqui. Junto veio minha separação...

Minhahistória não é de cinco anos para cá. Ela começa em 1980. É 25 anos,mais cinco. Para eu ganhar meu primeiro bilhão de dólares, eu criei US$20 bilhões para os sócios em minas que funcionam até hoje.

Mas aí no ano 2000, eu falei espera aí: eu vou ser o eterno filho do Eliezer Batista, o eterno marido de Luma de Oliveira? Foi uma crise existencial? EIKE: Acho que mistura tudo.

Separação sempre é uma coisa que não é fácil.

Qual o maior erro do Eike? EIKE: Esses negócios paralelos, os jipes, a empresa de cosméticos que fiz com a Luma, os Correios...

Outra crítica é que seus negócios são associados a uma economia suja. É mina, carvão, petróleo...

EIKE:Você secou seu cabelo hoje? Veio a pé para cá? Você liga a televisão,você usa o seu celular? Então, desculpa, mas vou ter que entregarenergia para você.

Também há críticas a seus negócios por serem muito diversificados, o que poderia leválo a perder o foco.

EIKE:Isso na minha empresa se chama MPI, Mata Paulista de Inveja. Em SãoPaulo, é tudo feito com qualidade, então, vamos copiar um pouquinho.

O senhor acha que, de alguma forma, incomoda as elites tradicionais paulistas? EIKE: Ah, sim. Há uns comentários de vez em quando por aí.

Mas se não sabem fazer negócios assim, sorry...

Suas empresas têm um sistema de remuneração com o qual consegue atrair executivos das empresas concorrentes....

EIKE: Chama-se kit felicidade.

Tirodas minhas ações para dar a eles. Ou seja, se você é acionista de umadas minhas empresas, não é diluído nessa participação.

Os kits variam de US$ 2 milhões a US$ 5 milhões por ano ao longo de dez anos, fora salário.

Uma vez, aqui nesta mesa, o senhor criticou a falta de audácia, de capacidade de risco do empresariado nacional...

EIKE: O Brasil foi criado através das bras. E todo mundo se habituou a receber um contrato.

É a cultura do empreiteiro, que está impregnada até debaixo das unhas.

O presidente Lula disse que a crise seria uma marolinha.

Foi mesmo ou vocês tiveram que adiar projetos? EIKE: Não. Estávamos capitalizados.

AOGX, por exemplo, captou US$ 4,1 bilhões dois meses antes do início dacrise. Se você enxerga o que está acontecendo no mundo.... A China pôs400 milhões no mercado de consumo nos últimos 20 anos. E estão nasegunda leva de 400 milhões. E o que está acontecendo no Brasil?Criamos 200 mil empregos formais. O cara vai querer um carro, ampliar oconsumo, é um círculo virtuoso.

Muitos analistas temem bolha no mercado chinês e falam que o Brasil não crescerá acima de 5%, 6%.

EIKE:A gente é desentupidor de gargalo. Com logística moderna, eu estoutrazendo soluções para todo mundo. Está tudo aí, faz parte desse Brasilnovo, para que uma hora possamos sair dos 5% e chegar (ao crescimentode) a 6%, 7%, 8%, até 9%.

Ano passado, o senhor tentou comprar uma fatia na Vale.

Desistiu? EIKE: A gente olha tudo.

O senhor acha que tem Estado demais no país? EIKE: O Estado nunca é bom na execução, mas na auditoria, no controle.

Estamos em ano eleitoral. Fará alguma diferença se Serra, Dilma ou Marina ganharem? EIKE: É um no event. Claro que alguém fala uma bobagem...

Dinheiroé covarde... No mercado de capitais, o cara fica um pouco nervoso. Maso pessoal adora uma boataria para ganhar (dinheiro).

O Brasil está se diferenciando dos seus vizinhos? EIKE: Sabe uma coisa que tenho muito clara? Que bom que o Brasil tem esse órgão megafiscalizador, o Ministério Público.

Se não tivesse, estaria virando uma Argentina, uma Venezuela.

Falando nisso, o senhor foi alvo da Operação Toque de Midas, da PF e ficou abalado.

EIKE:Você não ficaria? Tem as evidências de que fez alguma coisa? Não tinhanada. Eles misturaram um negócio de uma mina de ouro. Tínhamos compradouma empresa de um advogado que havia pertencido ao Daniel Dantas, quejá estava em Bolsa.

A Bolsa brasileira foi a que mais subiu em dólares em 2009.

Não dá um certo frio na barriga? Pode haver uma correção no preço dos seus ativos...

EIKE:Não. O valor das companhias está na qualidade dos ativos. Vamos pegar aLLX, temos mais de 60 memorandos com diferentes empresas. No caso daOGX, até 2012 vamos perfurar mais 69 poços exploratórios.

E não importa se o petróleo cai a US$ 60. Acho até que vai voltar para US$ 120.

O senhor ainda quer ser o homem mais rico do mundo? EIKE: Isso é pura consequência.

Em 2008, quando disse isso, a gente sabia o que tinha dentro de casa.

Tem interesse no pré-sal? EIKE: Não há hipótese. Isso é um projeto para ir à Lua, a Petrobras vai chegar lá. É tecnologia de ponta, é inacreditável.

Calma, calma. Conheço meu limite.

Meu risco é calculado.

A exposição na mídia o preocupa? EIKE:Por que só jogador de futebol, dupla sertaneja (podem aparecer?)... Souempresário transparente, tem que mostrar mesmo. É um exemplo bacanapara a garotada. E quanto mais na mídia, menos alvo você é.