Título: Falta tudo em serviços públicos. Sobram queixas
Autor: Casemiro, Luciana
Fonte: O Globo, 21/03/2010, Economia, p. 31

Interrupções frequentes de fornecimento de energia e água mobilizam entidades de defesa do consumidor

A interrupção no fornecimento de energia e, consequentemente, de água deve diminuir com o fim do verão. Essa, pelo menos, é a expectativa das concessionárias ¿ e dos usuários. Há muito não eram tão frequentes as faltas de luz e água na cidade. Num verão considerado atípico, as discussões acaloradas entre consumidores, empresas e reguladores nas última semanas ¿ com apagões no Centro e nas zonas Norte e Sul, e falta de água em vários bairros do Rio ¿ não devem parar tão cedo. É que especialistas recomendam não dar trégua às queixas junto a empresas, agências reguladoras e entidades de defesa do consumidor, a fim de melhorar o serviço e reduzir as chances de repeteco no ano que vem.

¿ A reclamação deve ser feita, independentemente de dano material. É esse tipo de postura que vai fazer com que construamos uma nova relação entre concessionárias e consumidores para a próxima década. Quando falamos de serviços monopolistas, a importância da qualidade é ainda maior ¿ ressalta José Teixeira Fernandes, responsável pelo Procon-RJ.

Alerj: Ampla, Light e Aneel não estão cumprindo seu papel

O Procon-RJ já multou a Ampla em R$3,7 milhões, notificou a Light e está monitorando as queixas sobre a Cedae. A Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), por sua vez, está movendo ação judicial contra Ampla, Light e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel):

¿ Ampla e Light têm de prestar um serviço contínuo, e a Aneel tem de fiscalizar. Nenhuma delas está fazendo o seu papel. É uma demonstração geral de ineficiência. O volume de reclamações na comissão está insuportável ¿ afirma Cidinha Campos, presidente da comissão da Alerj.

O pesadelo de Bruno Cajueiro, morador da Vila da Penha, começou em janeiro: ele ficou 41 horas sem energia e perdeu tudo o que tinha na geladeira:

¿ Na última semana, o problema se repetiu: faltou luz pouco mais de uma hora. O pior é que eu havia registrado reclamação junto à Light, relatei os transtornos e não tive solução.

Em Niterói, Cid Valério já espera a próxima interrupção de luz:

¿ É um tragédia anunciada. Fiquei sem luz cerca de 15 horas em 31 de dezembro. No domingo passado, a luz acabou às 18h e só voltou às 4h. Na próxima chuva haverá problemas de novo, tem um galho quebrado que vai cair e causar o mesmo transtorno. Trata-se de incompetência administrativa ¿ queixa-se.

A severidade climática deste último verão foi um dos motivos, segundo as concessionárias, para o salto nas quedas de fornecimento. André Moragas, diretor de Relações Institucionais da Ampla, diz que 55% das ocorrências na sua área foram provocadas por árvores e raios:

¿ Ocorrências ocasionadas por estresse foram apenas 10%. Do verão de 2007/2008 para o de 2009/2010 houve um aumento de 114% na incidência de raios e de quatro vezes no índice pluviométrico. Não era possível prever essa severidade, mas já aumentamos o nosso plano de contingência e investiremos de 15% a 20% mais na qualidade do serviço este ano.

Marco Antônio Vilela, superintendente comercial da Light, aponta ainda o aumento do consumo entre as causas para as falhas, que elevaram em 54% a demanda no SAC da empresa, com 500 pedidos de ressarcimentos concedidos por mês:

¿ Nossa média de crescimento anual era de 2% a 3%, ficou em 11%. Uma alta que prevíamos para daqui a quatro anos. Ainda sofremos com vandalismo e gatos. Não estou justificando, a responsabilidade sempre será nossa. Vamos dar ainda maior ênfase a investimento no fornecimento de energia e garantimos que isso não se repetirá no próximo verão.

Sobre a queixa de Cajueiro, a Light informa que está abrindo espaço para requerimento de ressarcimento de perecíveis e lucros cessantes, não previsto pela Aneel. O advogado da empresa, Marvin Menezes, diz que o consumidor deve reunir toda a documentação que puder comprovar seu dano.

Em caso de ressarcimento, a Light informa que não faz a vistoria do equipamento, e sim correlaciona os problemas da rede. O gasto do consumidor com o conserto será reembolsado mediante orçamento de empresa autorizada ou dois de firma especializada, com nota fiscal e discriminação de serviços e peças.

Serviços essenciais não podem ser interrompidos, afirma Idec

No penúltimo mês de gravidez, Daniele Brandão, moradora do Humaitá, sofre com a falta de luz e água. Em carta a esta seção, ela conta que os vizinhos se revezam para tentar pegar água. No caso dela e de centenas de cariocas, a Cedae explica que a falta d¿água está relacionada à interrupção do fornecimento de energia.

¿ A pergunta seria: por que não ter um gerador? Precisaríamos de uma termelétrica, e mesmo assim não funcionaria. Com qualquer interrupção, de um segundo que seja, precisamos adotar um processo para religação segura, que pode levar até 24 horas para a normalização total. E essas pequenas interrupções têm sido frequentes. Já fizemos uma representação à Aneel pedindo providências ¿ Jorge Briard, diretor de produção da Cedae.

Não chega a ser um apagão, mas a telefonia fixa também tem falhado ¿ caso de algumas ruas no Centro e em Botafogo. Segundo a Oi, as interrupções foram isoladas e, em grande parte, relacionadas à falta de energia por tempo superior à autonomia de baterias e geradores de apoio. Para Maíra Feltrin, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), pouco importa de quem é a culpa, pois os serviços são essenciais e não devem ser interrompidos.

Acusada de inoperante pelas entidades de defesa do consumidor, a Aneel argumenta que, além de ter multado as concessionárias, houve as mudanças na regulamentação que garantiram compensação, na conta, pelas interrupções de fornecimento.