Título: Sem luz nem esgoto, um bolsão de miséria sobre reserva preciosa
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 21/03/2010, Economia, p. 30

Garimpeiro enriqueceu nos anos 80, chegou a fretar avião e voltou à pobreza

CESTA BÁSICA é distribuída em Serra Pelada. Vila tem 1.218 casas e atendimento médico precário

O GARIMPEIRO ¿Índio¿ descobriu uma tonelada de ouro, mas é hoje pobre como antes

SERRA PELADA (PA). Saltam aos olhos o abandono e a ausência do poder público em Serra Pelada. Com seus barracos de madeira e suas ruas sem calçamento, a vila é um bolsão de miséria. No arraial, a vida é regida pela escassez, apesar da abundância de ouro no subsolo. Não existe rede pública de iluminação. Toda a luz da vila é clandestina, oriunda de uma subestação das redondezas. Tanta miséria num lugarejo que expeliu, oficialmente, 30 toneladas de ouro.

A água também não recebe tratamento em um quinto das casas, que chegam a 1.218. Na década de 80, já foram 30 mil barracos. Dentista também não tem, assim como hospital. O atendimento à saúde é feito por um centro médico, que funciona com um clínico e uma parteira.

¿ Além de todos esses problemas, ainda temos uma enorme taxa de desemprego ¿ comenta o subprefeito de Serra Pelada, José Ribamar Silva, admitindo que a população ¿vive num lugar rico, mas que não usufrui da riqueza¿.

Enquanto emprego falta em Serra Pelada, sobra peão desempregado. O percentual chega a 52,8% da população adulta. No povoado que foi crescendo em torno da cratera, os garimpeiros foram ficando, mesmo depois que o ouro rareou. O minério sumiu depois que a cava virou uma lagoa gigante, que, vista de cima, tem o formato de um caroço de feijão.

Dos moradores, 27% vivem ali há mais de 25 anos

Com a falta do que fazer, jogar baralho, dominó e paciência é o passatempo preferido dos moradores da vila, dos quais 27,1% vivem no povoado há mais de 25 anos.

Nem posto de gasolina tinha na cidade até há pouco tempo. O combustível era vendido em garrafas PET. O posto, assim como a maioria dos 73 estabelecimentos comerciais de Serra Pelada, é de pequeno porte e informal.

Como também não há rede de esgoto, a população joga os dejetos diretamente no meio ambiente.

O maranhense José Mariano dos Santos foi um dos cerca de 100 mil homens que, no apogeu de Serra Pelada, se equilibrou pelas encostas dos barrancos à procura de ouro. Hoje, aos 58 anos, 30 dos quais vividos no arraial, Índio, como é conhecido, é uma lenda viva. Ele é um dos poucos milionários forjado no formigueiro de homens humildes, que invadiu Serra Pelada na década de 80.

Até 50 mortes por ano em `avalanches¿ do garimpo

Escolher entre um ou outro pedaço de terra naquele tempo era pura aposta. Tanto o garimpeiro podia escolher um barranco rico em terra e pobre em ouro, como podia ficar rico, de um dia para a noite. Tudo era uma questão de sorte e Índio, sem dúvida, estava no lugar certo, na hora certa.

Ele é um dos poucos que ¿bamburrou¿ em Serra Pelada. Isto significa, na gíria local, que encontrou ouro. Na primeira vez, foram 30 quilos e, na segunda, 1.183 quilos de ouro.

Depois de esbanjar dinheiro, Índio é tão ou mais pobre do que quando chegou a Serra Pelada. Ele vive à custa da pensão da mulher, Raimunda da Conceição.

O dinheiro foi gasto na farra com mulheres, bebidas, carros. Até um avião ele fretou. Tudo para encontrar uma paixão, no Rio.

¿ Fui comprar uma passagem, mas a funcionária da Transbrasil me esnobou ¿ recorda Índio, que ficou tão indignado com a discriminação que fez questão de mostrar que era rico.

Foi bebendo uísque a bordo e sem qualquer outro passageiro no vôo que Índio desembarcou na cidade. Foram dois meses hospedado no hotel Copacabana Palace.

Já José de Araújo, aos 93, não teve a mesma sorte de Índio. Seu único orgulho é a saúde, que ostenta até hoje:

¿ Eu era um Tarzan, parecia um homem de aço ¿ lembra Araújo, que carregava diariamente sacos que pesavam até 35 quilos. ¿ Eu fazia mais de 50 viagens com o saco de terra nas costas.

O garimpo funcionava com três escadas, ¿Adeus mamãe¿, ¿Belém-Brasília¿ e ¿Se eu soubesse cá não vinha¿, com 120 degraus. As avalanches de terra, onde chegaram a morrer até 50 pessoas por ano, destruíam com frequência estas escadas.