Título: Tem gringo em Serra Pelada
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 21/03/2010, Economia, p. 29

Garimpeiros se associam a canadenses para explorar mina de forma mecânica

Enviada especial SERRA PELADA (PA)

Falta acertar os detalhes finais para ser decretado o fim definitivodo garimpo artesanal de Serra Pelada, no Pará. Aquele que já foi omaior garimpo a céu aberto do mundo, no meio da selva amazônica, estáprestes a receber do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, oalvará de lavra.

O documento vai viabilizar a mineração atravésda lavra subterrânea e mecanizada de Serra Pelada. O projeto daráinício a uma nova corrida do ouro, só que, desta vez, patrocinada porcapital estrangeiro.

Nós chegamos ao Brasil em busca de boasoportunidades de investimentos e Serra Pelada chamou nossa atenção admite o geólogo Heleno Costa, vice-presidente de Operações da ColossusMinerals Inc., sediada em Toronto, no Canadá.

A empresacanadense já investiu R$ 120 milhões em Serra Pelada. O negócio começoua modificar o cenário do garimpo, que, na década de 80, era umformigueiro humano, onde cerca de 100 mil homens c a v u c a v a m aterra. Hoje, a vila de Serra Pelada foi invadida por sondas de altatecnologia.

Em torno da cava principal, onde originou-se ogarimpo, pouco mais de dois mil trabalhadores, usando uniformes,capacetes e munidos de equipamentos de alta precisão, e não de bateiasrudimentares, prospectam a reserva mineral escondida no subsolo. Numperímetro de 100 hectares já foram encontradas 50 toneladas de metalprecioso: 33 delas de ouro, sete de platina e dez de paládio.

Sóque para explorar toda esta riqueza é necessário transpor ummegaproblema: uma lagoa de 140 metros de profundidade e com áreacorrespondente a quatro campos de futebol. A saída foi transformar osgarimpeiros de Serra Pelada, organizados em torno da Cooperativa deMineração de Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), em sócios dacanadense Colossus. Da parceria incomum no mundo dos negócios, nasceu ajoint-venture Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral.

Esta empresa tem uma proposta clara e devidamente demonstrada junto aogoverno de execução de lavra afirma o secretário de Geologia,Mineração e Transformação Mineral, do Ministério de Minas e Energia,Cláudio Scliar. A empresa que hoje detém os direitos minerários emSerra Pelada já realizou a pesquisa mineral, apresentou a documentaçãoexigida e a Licença Ambiental.

Foi em 2007 que o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) concedeu o alvará de pesquisa para a empresa Serra Pelada.

Casonão realizasse as pesquisas num prazo de três anos, o alvará seriasuspenso. Não seria, portanto, a primeira vez que um negócio com osgarimpeiros seria abortado.

Antes de 2007, os garimpeiros deSerra Pelada chegaram a negociar com uma empresa americana, a PhoenixGems. Só que a empresa, segundo diretores da Coomigasp, não honrou ocompromisso.

Calejados, os g a r i m p e i r o s , que já foramcomandados, no passado, por um interventor imposto pelo governo doex-presidente João Baptista Figueiredo no fim da ditadura militar econviveram com tropas do Exército, vivem ainda hoje num territóriominado.

Mesmo de posse do alvará de pesquisa e com uma ordemjudicial concedida pela desembargadora Maria Rita Xavier, de Belém, ostécnicos da Colossus só conseguiram entrar no garimpo escoltados. Cercade 30 homens foram escalados para garantir a segurança.

Não é àtoa que 17 entidades sindicais disputam o poder político no ex-garimpo.Serra Pelada chegou até a ser fechada em 1994, oficialmente, por ordensdo então presidente Fernando Collor de Mello. Garimpeiros teimosos, noentanto, continuam cavucando a terra, só que exploram uma áreaperigosa: resíduos do antigo garimpo se acumulam ali. Por isso, aregião está impregnada de mercúrio.

Este contrato nãobeneficia o garimpeiro ataca Raimundo Benigno, presidente doSindicato dos Garimpeiros de Serra Pelada (Singasp), entidade que fazoposição ferrenha à parceria assinada com a empresa estrangeira. Oque foi combinado não está sendo cumprido.

No cerne da discórdiaestá o pagamento de dividendos. O contrato original previa uma divisãosocietária de 49% para os garimpeiros e 51% para os canadenses. Agora,o percentual dos garimpeiros caiu para 25% e o da Colossus subiu para75%. O percentual dos garimpeiros correu o risco de ser reduzido aindamais, para algo próximo de 6%. Este percentual só não foi aprovadoporque houve resistência cerrada dos garimpeiros.

Nossocontrato é juridicamente perfeito garante o presidente da SerraPelada Companhia de Desenvolvimento Mineral, Heleno Costa, que é tambémexecutivo da canadense Colossus.

A mudança já estava prevista nocontrato original, garante ele. No caso da Colossus ser obrigada adesembolsar valor superior a R$ 20 milhões ainda na fase de prospecção,ou os garimpeiros injetavam capital no negócio ou teriam a participaçãoacionária reduzida.

Desde que se envolveu com este projeto em Serra Pelada, as ações da Colossus já explodiram no mercado.

Avida útil da reserva descoberta pela empresa é de oito anos, podendoaumentar, dependendo de novas descobertas na área prospectada.

Asações da empresa na Bolsa de Toronto, a maior do Canadá, pularam de US$1,08, em 2007, para US$ 6,35. A previsão é que o projeto entre emoperação apenas em meados de 2011.

Não foi só a empresa que viusua rentabilidade na bolsa subir em pouco tempo. A vida no arraial deSerra Pelada também não é mais a mesma.

Até o linguajarsimplório do garimpeiro ganhou um ingrediente a mais, carregado desotaque, com a chegada de estrangeiros, como o australiano ChristianGrainger, geólogochefe da companhia Serra Pelada.

Amecanização do garimpo não vai resolver todos os problemas sociais, masvai minimizar bastante diz Wenderson Chamon Azevedo (PMDB), prefeitode Curionópolis, e um entusiasta da parceria.

Parceria é uma aposta no futuro

Aos 73 anos, o garimpeiro José Sobrinho, que encontrou 750 quilos deouro nos anos 80 e hoje é vice-presidente da Coomigasp, está convencidode que a parceria é a única forma de acabar com a miséria na vila.

Investi praticamente tudo no banco rachado lembra ele, referindose, jocosamente, às muitas farras que fez com mulheres.

Hoje, todas as suas esperanças hoje estão depositadas na parceria com a Colossus.

Odeputado federal Cleber Verde (PRB-MA) é o principal interlocutor dosgarimpeiros em Brasília. É ele quem está monitorando a agenda de Lobãopara marcar a data de entrega do alvará de lavra. A expectativa é que odocumento seja entregue até o fim do mês.